Os Kamov. E os pára-quedas?
Ajuda militar de Portugal à Ucrânia
Somos o país das palavras vãs. Fazemos muitas promessas. Apenas vinga o prometimento mais pequeno. E as ofertas? Oferecemos o que não precisamos ou não queremos.
A verdade é um conceito sobrevalorizado. Quando se expõe a verdade, os portugueses preferem crer a verdade expressada pelas mentiras. As verdades excessivas habilmente divulgadas, suscitam dúvidas e é nessa suspensão que proliferam as mentiras, desacreditando a verdade dos factos. A verdade fabrica realidade, em contraponto, a mentira produz ilusão. Mesmo quando há rigor nos argumentos, prevalece a verdade encenada. A mentira. Que pode ser uma verdade adaptada ao objectivo delineado. E as provas? Levanta-se a mão: "estão aqui!" Mas...
Há sempre um mas a sobrepor-se.
O terminus do primeiro parágrafo foi o seguinte: oferecemos o que não queremos ou não precisamos. Precisamente, o caso dos helicópteros para o combate aos incêndios, os quais foram dados ao Governo da Ucrânia, todavia avariados. Entretanto, para além de avariados, passaram a ter outro atributo: monos. Por via das sanções europeias, os Kamov sem licença para voar por serem de origem russa não podem ser utilizados em espaço aéreo europeu. A oferenda foi feita há um ano, continuando os seis helicópteros estacionados no aeródromo de Ponte Sor à espera de ir para território ucraniano. Estão inoperacionais, qual a viabilidade deste "presente" neste contexto: abraços com uma guerra, os recursos humanos cada vez mais desgastados e escassos, que disponibilidade e logística terão para os tornar operacionais? Um monte de sucata, restando o papel de um puzzle: tirar peças que ainda podem solucionar avarias noutros Kamov.
Bastava apresentar a fita do tempo respeitante ao processo dos helicópteros Kamov para a dura realidade de termos o mesmo político na função de governante sempre nos momentos chave a provar a sua (in)competência. Em síntese: liderando a pasta da administração interna compra à Rússia seis helicópteros (2006) para compor os meios de auxílio e combate aos incêndios florestais. Os prazos acordados da entrega das aeronaves esteveram sempre em incumprimento, obrigando à existência de mais contratos de aluguer de meios aéreos, resultou daí maior volume de despesa ao erário público. Não se compreende a desastrosa escolha pela mecânica aeronáutica russa. O ponto da situação destes seis Kamov está deste modo: 1 acidentado (2012), 2 à espera de reparação (2015) e 3 parados desde 2018, não se sabe bem a razão. A proibição de utilização data de 2022.
Sabendo do desagrado vindo do Kremlin com esta oferta portuguesa feita há doze meses ao país que invadiu, não é claro se virão de facto buscar estes helicópteros, com a ampulheta dos dias a passar à margem das incidências de um país, ficarão seis aeronaves pagas a peso de ouro a ocupar espaço no aeródromo alentejano. A confirmação da intenção de passar para os anais da história este problema, por isso o interesse em despachá-los para a Ucrânia, aconteceu hoje sob a batuta de quem senão o próprio Primeiro-Ministro demissionário: "11 novos meios aéreos representam um investimento de 70 milhões de euros dos 615 milhões de euros previsto de investimento, financiado no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR)."
Excluindo estas maquinetas avariadas, não sei no concreto quais foram as outras ajudas militares acordadas. Porém, sei que o Ministério da Defesa Nacional lançou um procedimento de aquisição de roupa interior feminina para a Ucrânia. Sem desconsiderar a diligência e relevância desta dádiva, a utilidade, obviamente, não está em causa, contudo numa fase crítica da guerra com o início do Inverno rigoroso no leste europeu, Zelensky pede armamento e munições, e nós resolvemos mandar caixotes de cuecas e tops. Está certo, não convém às militares estarem desprovidas de roupa interior, mas... Lá está, há sempre o mas em todas as circunstâncias a influir nas tomadas de decisão.
Desconheço a possibilidade das cuecas tornarem-se numas boas substitutas das granadas e os tops nuns eficientes lança-foguetes.
Cuecas e tops. E os pára-quedas? Os ditos cujos são também roupa interior feminina, na gíria, e por ironia são os únicos que podem ser um artigo ao serviço das operações militares.
Se não temos capacidade de despender verba financeira dada a nossa situação titubeante nas forças armadas cumprindo de forma sofrível as nossas obrigações e compromissos como integrantes dos organismos de defesa internacional, seria mais correcto clarificar a prestação de apoio logístico militar via Estado Português fora do contexto NATO.
A verdade é um conceito sobrevalorizado.