Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Perspectivas & Olhares na planície

Perspectivas & Olhares na planície

Os actores do ontem que são a influência do hoje

Guerra: Rússia/Ucrânia

Rainer Maria Rilke, Histórias  do Bom Deus – Como a traição foi para a Rússia:

《Bom dia, Ewald!》, Acerquei-me da sua janela como é meu hábito, ao passsar. 《Estive lá fora.》《Onde esteve?》perguntou ele com o olhar impaciente. 《Na Rússia.》《Oh! Tão longe!》 Reclinou-se, e depois: 《Que espécie de país é a Rússia? Algo de muito grande, não é verdade?》《Sim》, disse eu, 《grande e além disso...》《Fiz uma pergunta tola?》 atalhou  Ewald, pelo contrário. Como me pergunta: que  espécie de país é? várias coisas se me tornam claras. Por exemplo: que confins tem a Rússia. 》《A leste?》acudiu o meu amigo. Reflecti: 《Não》《A norte?》perguntou o paralítico.  Tive uma ideia.  《Veja lá: o hábito de ler mapas desnorteou os homens.  Tudo neles é plano e liso, e, uma vez assimilados os pontos cardeais,  parece-lhes que fizeram tudo. Mas, afinal, um país não é um atlas. Tem montanhas  e abismos.  Também decerto  em cima e em baixo nalguma coisa há-de tocar.》

Às vezes é preciso olhar para o atlas e para a História. É do Atlas que se faz também a História. A conquista de território para formar impérios sempre foi uma ambição de muitos homens aos comandos de Estados para se tornarem os deuses na terra para alcançarem a omnipresença e a omnisciência no mundo. Há os deuses e os seus discípulos que enquanto não dominam o maior número de pessoas e países não descansam.

No Atlas a Rússia diminuiu. Tiraram os pioneses dos países que faziam a Rússia um dos países com maior área geográfica sob o seu jugo: URSS. Era uma superpotência no mundo. Vladimir Putin desde 2000 tem vindo a recolocar os pins perdidos com o fim da URSS ou Império Russo, dado que quer ser visto como um Czar.

1. Mikhail Gorbatchev. Sonhou com a "perestroika"  (reestruturação) e "glasnost"  (transparência) para a sua URSS. Apesar de tudo chegados a 1989, Gorbatchev tinha dado alguma liberdade, organizou as primeiras eleições livres, o Parlamento começou a funcionar de acordo com as responsabilidades e funções que lhe cabe, instituiu a liberdade de expressão, abriu a economia à iniciativa privada. Porém, as condições de sobrevivência da população eram ainda mais dramáticas em contrapartida a URSS era uma potência nuclear e espacial. 

Na realidade o Gorbatchev queria reformar o comunismo praticado e bem instalado e não conseguiu, pelo contrário, a junção de diversas nacionalidades, que só a repressão detinham as manifestações independistas das diversas repúblicas (do Báltico ao Cáucaso, da Ucrânia ao Cazaquistão), juntando  a forte oposição interna, fazendo com que "todos os ventos" soprassem a favor de uma mudança radical na união, que se constatou que era uma união de nacionalidades muitíssimo frágil. 

Os fanáticos pela URSS olham para Gorbatchev como o coveiro dela, e o início do fim começou quando a 7 de Outubro de 1989 (40°. Aniversário da Alemanha de Leste) publicamente anunciou que não era solidário com a liderança de Erich Honecker (RDA) ao deixar o recado "aqueles que reagem com atraso são punidos pela história". 

[E não accionou os tanques da URSS que estavam estacionados na RDA para intervir e ajudar a debelar a efervescência anticomunista que era cada vez mais fraturante no regime de Erich Honecker. Gorbatchev não seguiu o exemplo de intervenção de 1969 em Praga para segurar os países satélites na alçada comunista.]

Erradamente menosprezou Boris Ieltsin, achava-o um mau político, acharia que estava controlado, porém foi o seu carrasco ao ajudar no colapso da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. 

Na verdade as medidas de Gorbatchev implementadas, isto é, o acelerar e o modernizar da vida económica (Perestroika), o reforçar da democracia, para além, da adopção de políticas externas que se basearam no controlo e diminuição dos armamentos e na cooperação internacional para colocar um ponto final à guerra fria,  foram uma forma implícita para haver o reconhecimento da falência do modelo leninista. 

Inicialmente, Mikhail Gorbatchev apoiou Vladimir Putin, para depois lhe retirar o seu apoio por ter entendido que tinha sido iludido por não ser o governante democrático que aparentava ser.

O sinismo é sempre bem utilizado por ditadores que gostam de manter a faceta oficial de democraticamente tolerante: aquando da celebração dos 90 anos de vida do Senhor Perestroika, Putin teceu rasgados elogios: "Pertence, com razão, ao grupo de pessoas extraordinárias e brilhantes, de estadistas proeminentes da era moderna que exerceram uma influência significativa na história nacional e mundial.” 

2. Boris Ielstin. Arqui-rival  de Gorbatchev, dado que este último pressionado pelos "conservadores" acabou por afastar Ielstin do Politburo do P.C.U.S. (1987). A partir daí iniciou a sua vingança, aproveitando os movimentos de oposição à governação do Senhor Perestroika que originou  confrontação militar, culminando em agosto de 1991 com a vitória das forças reformistas lideradas por Boris Ieltsin, tornando-se presidente da Federação Russa. É de frisar que a derrota da rebelião comunista contribuiu para aplicar o seu plano de extinção da URSS quando assinou com as outras repúblicas ex-soviéticas o "acordo de Minsk" e assim criava a Comunidade de Estados Independentes (C.E.I). 

No livro das suas memórias disse que: "Após termos assinado, sentimos um grande alívio (...), mesmo sabendo que me iri acusar, até à morte, de ter ajustado as minhas contas com Gorbatchev e de ter destruído a U.R.S.S. para o afastar do poder".

Boris Ielstin mais uma vez escreveu uma linha na história, desta feita negra salpicada de sangue: foi ele que escolheu, de vários candidatos, o seu substituto para liderar os destinos da Rússia. Uma decisão trágica como temos vindo a testemunhar nestes longos 20 anos de governação levada a cabo por Vladimir Putin. 

Aquando da sua morte, em 2007, Putin, mais uma vez para manter a sua faceta de dessimulado quando os holofotes do "Ocidente" incidem  em si, socorreu-se ao encómio para agradar:  "Um homem morreu, graças a ele uma nova época nasceu. Uma nova Rússia democrática nasceu, um Estado livre e aberto para o mundo. O Estado no qual o poder verdadeiramente pertence ao povo." E declarou ainda que: "Nós faremos tudo para que a memória de Boris Nikolayevich Yeltsin, seus nobres pensamentos, suas palavras 'protejam a Rússia' e sempre nos sirvam de guia moral e político." (Retirado da Gazeta do Povo/Brasil)

3. Vladimir Putin. Teve uma ascensão histeriónica no último governo de Ieltsin, inclusive foi o seu substituto, presidente interino, quando renunciou à presidência da Rússia, assim a 31 de Dezembro de 1999 começou o consulado de poder absoluto de Vladimir Putin. Com as eleições em 2000, tornando-se presidente da Rússia oficialmente, decidiu que os governadores e representantes das regiões e repúblicas deixariam de ser eleitos pelo voto dos cidadãos russos para passarem a ser nomeados pessoas do círculo da sua confiança: "os representantes do Kremlin passarão a controlar as acções dos governadores e presidentes das repúblicas e regiões situadas no seu círculo, respondendo apenas perante o "Czar" em Moscovo",  escreveu José Milhazes em 2000. Passo a passo com a ajuda  dos oligarcas preside a uma  Rússia  que Gorbatchev sintetizou já em 2011: "Acho que eles (classe dirigente russa atual) se esfastiaram da democracia. O sistema eleitoral que tínhamos (na URSS) não era nada formidável, mas acabou literalmente castrado. Perdão por dizer isso. Mas eles circuncidaram o sistema – circuncisão é uma metáfora melhor.

4. Comunidade de Estados Independentes (CEI). Ao fim de 70 anos a URSS desagrega-se. A Rússia, a Bielorrússia e a Ucrânia foram os países fundadores da C.E.I. (acordo de Minsk), cuja a finalidade  seria continuar a partilhar  o sistema económico e militar (essencialmente a vertente nuclear) entre os países independentes saídos da União Soviética, em resumo era a forma que a Rússia tinha para manter estas "novas nações" interdependentes. Com a assinatura do Tratado de Alma-Ata (21 de Dezembro de 1991, no Cazaquistão) oficializou-se a criação desta organização com a adesão de mais 8 países: Arménia, Quirguistão, Usbequistão, Azerbaijão, Cazaquistão, Moldávia, Tajiquistão e Turcomenistão. Os países bálticos (Estónia, Letónia e Lituânia) nunca quiseram fazer parte, pois assumiram querer pertencer à U.E., uma vez que foram anexados à força na então URSS. Em relação à Geórgia acabou por integrar a C.E.I. em 1993, todavia faz o pedido de se desvincular da mesma (2009) após a guerra da Ossétia que originou o reconhecimento da independência das regiões separatistas pró-Rússia da Abecássia e da Ossétia do Sul por parte da governação Medvedev/Putin.

No que diz respeito a um dos países fundadores, a Ucrânia, abandonou a C.E.I. em virtude do conflito militar gerado pela Rússia que findou com anexação da Crimeia à Federação Russa. Tanto a Geórgia como a Ucrânia consideram que as regiões estão ocupadas pela Rússia.

A C.E.I. está sediada em Minsk, Bielorrússia.

Em 2005 Vladimir Putin disse o que pensava da C.E.I.: "Se, na Europa, a União Europeia foi criada para congregar, a CEI formou-se como forma de divórcio civilizado." 

A C.E.I. para a Rússia, e especialmente para Putin, sempre foi uma forma de controlar os países satélites que formavam a União Soviética, inclusive colocando governantes obedientes aos interesses da Rússia de Putin. Sem esquecer o facto de ser um meio eficaz e rápido para afastar as ambições dos cidadãos destes países de se aproximarem da União Europeia e ou da Nato, por exemplo, dado que estes países têm  o maior fluxo de transacções económicas com a Mãe Rússia, o que os torna dependentes económica e militarmente dela.  

5. Ucrânia. A sua independência foi sempre uma dor de cabeça para Moscovo (e não só, para os EUA e Reino Unido, também).

Após a 2.ª guerra mundial a Ucrânia era a terceira maior potência nuclear do mundo. 

É preciso recordar três pontos sobre a Ucrânia Soviética: 1. a segunda com mais habitantes de entre as 15  repúblicas Soviéticas; concentrava a maior parte da produção agricultura e industrial; 3. albergava a maioria do arsenal nuclear e militar soviéticos (inclusive a frota no Mar Negro). 

Com o colapso da URSS criou-se um enorme problema, a Rússia deixava em solo ucraniano (estima-se) cerca de 3000 mil armas nucleares soviéticas. Assim, os EUA, o Reino Unido e a Rússia encetaram esforços para desnuclearizar a Ucrânia para evitar o seu uso irresponsável e sua alienação para causas que colocassem em causa a segurança das populações no mundo. No Memorando de Budapeste a Ucrânia aceitou entregar as armas nucleares à Rússia com as contrapartidas de nunca ser atacada e as suas fronteiras respeitadas. Esta ordem de entrega das armas também foi imposta à Bielorrússia e Cazaquistão.

Estrategicamente a Ucrânia é muito importante para a Rússia para ser um muro psicológico que acalenta a ideia de a Rússia continuar a ser imperial, uma superpotência de outrora que tem bloqueado o avanço do domínio da Nato e U.E. nas ex-repúblicas Soviéticas no continente europeu. 

Joseph Roth, Fugsem Fim:  "Na vida dos povos, das classes, da humanidade, momentos há em que o texto estafado de um hino passa a não ter peso se esse mesmo hino for cantado com solenidade."

Nesta guerra desigual e gritantemente injusta o povo ucraniano agarra-se ao seu hino como se fosse o oxigénio que tanto necessitam para continuar a lutar pela sua sobrevivência identitária e enquanto país independente.

Que nunca se cansem de cantar o seu hino.

São nos pequenos pormenores que se vê a fibra de lutar pela nação que é a deles e que nunca foi assimilada e sobreviveu estóica mesmo tombada à Rússia Soviética.

 

 

 

 

 

 

 

6 comentários

Comentar post