Olhar: 25 de Abril de 1974 / Perspectiva: 40 anos de Democracia
A revolução a 25 de Abril de 1974 determinou o fim de 48 anos de uma ditadura militar assente genericamente numa política de contenção e de austeridade – aumento dos impostos, redução das despesas públicas e redução do deficit financeiro – o que tornara Portugal isolado e atrasado face à Europa e ao Mundo.
Discurso de António de Oliveira Salazar a 16 de Março de 1933: “O Estado deve tomar sobre si a proteção e a direção superior da vida nacional. (…) Nós queremos caminhar para uma economia nova, trabalhando em uníssono com a natureza humana, sob a autoridade de um Estado forte que defenda os interesses superiores da Nação, a sua riqueza e o seu trabalho tanto dos excessos capitalistas como do bolchevismo destruidor”; portanto, Portugal era marcadamente ruralista – atraso no desenvolvimento da indústria e das infraestruturas – com uma economia fraca, ou seja, uma agricultura pobre e indústria reduzida, agravada com crise internacional do petróleo (inflação a 20%), sem esquecer a fuga de muitas pessoas para os países europeus em busca de uma melhoria de condições de vida e trabalho melhor remunerado. Ainda acrescem os seguintes factos: as contas públicas encontravam-se desequilibradas em virtude dos excessivos gastos na guerra colonial e o poder concentrava-se nas mãos de pequenos grupos, alicerçando um regime antidemocrático em que impunha uma mentalidade na sociedade de vida simples, rural, pobre mas honesta. “A obra de domesticação nacional estava realizada há muito por uma tenacidade dominadora que utilizava apenas as qualidades negativas do português. (…) A fome de aventura, a inquietação da liberdade, o alento da esperança, o orgulho, o brio, a alegria e a coragem – tudo fora sistemática e impiedosamente apagado na lembrança da grei” [Miguel Torga, 1970].
O calendário marca: Sexta-feira, 25 de Abril de 2014. É o dia D para os cidadãos portugueses: a democracia foi restaurada há precisamente quarenta anos.
É tempo de balanço. Felizmente, a iniciativa do 25 de Abril de 1974 foi uma revolução pacífica e, assim destituído o regime autoritário ordeiramente. “Sou o Chefe de Estado de um país que, depois de humilhado por meio século de ditadura, soube iniciar em 25 de Abril uma revolução sem sangue que outros classificaram de a mais pura do século. Estamos perfeitamente determinados a salvaguardar a pureza dos principais objetivos revolucionários: devolver ao povo português a dignidade perdida, implantando condições de vida mais justas, com instituições democráticas pluralistas legitimadas na vontade do povo livremente expressa (…).” [Discurso na Assembleia Geral da Nações Unidas: Costa Gomes, 19 de Outubro de 1974]
É tempo de balanço. Paradoxalmente, foi nos primeiros dias, semanas, meses vividos sem as amarras do regime salazarista/marcelista que a revolução adjetivada deu lugar à revolução substantivada, ou seja, aos motins, às revoltas das pessoas descontentes nas ruas, ao levantamento e posicionamento das várias personagens para usurpar, ocupar e concentrar vilmente o poder em Portugal:
1 - “Neste clima generalizado de anarquia, em que cada um dita a sua própria lei, a crise e o caos são inevitáveis, em flagrante contradição com os propósitos do movimento. Por várias vezes chamei a atenção do país para as consequências a que tal estado de coisas acabaria por conduzir; e, após profunda e demorada reflexão, tomei a nítida consciência de não estarmos a caminhar para o país novo que os portugueses desejam construir. Nestas condições, renuncio ao cargo de presidente da República.” [General António Spínola, 30 de Setembro de 1974]
2 -“(…) Assistiu-se, assim, ao desmantelamento de meia dúzia de grandes grupos financeiros e monopolistas; mas paralelamente e à medida que as nacionalizações se sucediam (…), foi-se assistindo à degradação muito rápida das formas de organização social e económica que serviam de suporte a largas camadas da pequena e da média burguesia (…). Formas selvagens e anarquizantes de exercício do poder foram-se instalando um pouco por toda a parte – até no interior da FA – (…). O MFA quer inicialmente se havia afirmado como supra-partidário, viu-se cada vez mais enleado nas manipulações politiqueiras de partidos e organizações de massas, acabando por se ver comprometido com determinado projecto político que não correspondia nem à sua vocação inicial nem ao papel que dele esperava a maioria da população do país (…). O país encontra-se profundamente abalado, defraudado relativamente às grandes esperanças que viu nascer com o MFA.(…) Encontramo-nos em mais uma encruzilhada da história, e é ao MFA, uma vez mais, que compete assumir o peso maior das responsabilidades para com o Povo português. (…) Terá de competir ao MFA, em completa independência dos partidos políticos, mas tendo em conta o papel que estes podem e devem representar, definir um projecto político de transição para o socialismo. (….) Trata-se de construir uma sociedade de tolerância e de paz e não uma sociedade a novos mecanismos de opressão.”
[Documento dos Nove, 7 de Agosto de 1975]
3 – “O 25 de Novembro, implicou algum esforço de contenção, superando-se as ameaças esquerdistas e o aproveitamento da direita e da extrema-direita. Na altura, pensei que o 25 de Novembro era apenas uma manifestação de rebeldia por parte dos para-quedistas. Agora, a posteriori, analisando as acções passadas e, sobretudo, as reuniões levadas a efeito para se fazer face a um golpe, parece pois que o 25 de Novembro, se não foi provocado, foi pelo menos muito facilitado por alguns grupos que pretendiam realmente a definição de situações e o afastamento de determinados elementos, não apenas militares, mas também políticos que, na altura, detinham uma certa preponderância.”
[Experiência na Presidência da República de Costa Gomes]
Clarificando: a estabilização da democracia em Portugal foi um processo dramático e a guerra civil esteve em iminência. Desde os governos provisórios que em vez de constituírem um elo de apaziguamento e democratizador – imagine-se – eram antes piromaníacos da ordem e serenidade públicas, passando pelos desvarios do PREC (Processo Revolucionário em Curso) que compreendeu, de entre muitas iniciativas: as nacionalizações selváticas de grupos económicos, a famosa reforma agrária, os saneamentos prepotentes e perseguições a empresários, ou seja, assistiu-se a uma crescente afirmação da esquerda revolucionária no aparelho do Estado, que desembocou no Verão de 1975 – os tempos do Verão Quente – e numa ameaça de guerra civil. Este período da política extremista e agitação social causada pelo mando de Otelo Saraiva de Carvalho e Álvaro Cunhal era de tal gravidade que Sartre referiu que Portugal parecia um manicómio em autogestão.
Finalmente, a 25 de Novembro de 1975 as forças políticas moderadas venceram e a democracia entra na fase de velocidade de cruzeiro e para isso muito contribuiu o movimento de oposição à radicalização política – Documento dos Nove liderado pelo Major Melo Antunes – e a intervenção do Presidente da República Costa Gomes, pois, consta-se que a 24 de Novembro o Presidente de então reuniu com Álvaro Cunhal e o que fica claro é que o confronto que estava a ser organizado pelo Otelo Saraiva de Carvalho para o dia seguinte (25 de Novembro), não obteve a colaboração prometida do Partido Comunista.
A constatação inquietante e sombria assalta-me o pensamento:
com quarenta anos de distanciamento facilmente apercebemo-nos que o pós-revolução não estava planeado convenientemente. O método é muito português: planeia-se o início depois esquece que todo o processo tem um meio e um fim. Com sucesso o golpe de estado ocorreu e depois? Foi o que se viu. A Constituição da Republica foi promulgada a 2 de Abril de 1976, reavivo a memória: Marcelo Caetano foi deposto a 24 de Abril de 1974. O amadorismo, a ingenuidade e a desorientação de uns foi flagrante, o que originou o aproveitamento de alguns hábeis que nada mais queriam se não a tão desejada vingança, o ajuste de contas e a tentativa da implantação de uma ditadura de esquerda.
Passados quarenta anos sob o signo da democracia verifica-se que houve sempre tempo para as tomadas de decisões seguindo a natureza ideológica de grupos específicos e dos próprios interesses individuais e privados e nunca tempo para privilegiar os interesses de todos os cidadãos portugueses e assim evitar a consolidação da existência do cidadão de primeira (a jocosa corja elite portuguesa) e o cidadão de segunda (a maioria da população).
Quarenta anos de atribulações, ilusões, desperdícios, expectativas goradas e roubadas. Fomos e somos governados pela mediania intelectual com a agravante de serem permeável aos lobbies institucionalizados – nacionais e internacionais - que representam o grande fator obstaculizante no desenvolvimento económico próspero e sustentável da sociedade de um país ainda chamado de Portugal. Em quarenta anos de democracia contemporânea tivemos de implorar pelo auxílio monetário dourado do FMI três vezes, o que significa que a Nação Portuguesa sempre esteve alegremente hipotecada e confinada ao domínio dos outros donos legítimos: os credores.
Voltámos errantemente à democracia e continuamos uns divertidos errantes.
“Longe de ser o governo dos piores, a democracia moderna tem-se revelado o sistema onde os piores só governarão por algum tempo.” Romeu de Melo [in Reflexões] tem toda a razão e são argumentos tónicos. Todavia, não é suficiente, precisamos de uma democracia participativa e não representativa para que os medíocres intelectuais não cheguem à governação.
Continua…
Isabel