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Perspectivas & Olhares na planície

Perspectivas & Olhares na planície

"O meu 25 de Abril"

Parte II

"Havia um velho que julgava

Que a porta da rua estava parcialmente fechada

Mas umas ratazanas enormes comeram o seu casaco e os seus chapéus 

Enquanto aquele velho frívolo dormitava. 

Edward Lear

 

Sou de outra geração.  A geração que nasceu sentada numa democracia a caminhar com passos pouco seguros em terra batida.  Nasci com o FMI carimbado na fralda.

A memória ficou perdida na penumbra para aqueles que contribuíram para a segunda bancarrota que se viveu nos anos 80: não foi apenas o contexto económico externo com a subida especulativa do preço do petróleo ou internamente devido à explosão social com a vinda de portugueses das colónias, foi sobretudo as políticas levadas a cabo com o PREC e as promessas eleitoralistas dos sucessivos governos provisórios que lançaram a terra para dentro do poço cheio de água no qual Portugal estava caído. Para quem viveu em carne viva todas as restrições injustas reside muita mágoa. Podem passar muitos anos, no entanto, há sempre uma réstia de desgosto que fica encrostada no nosso mais profundo íntimo.  Não resvalou para a amargura devido ao facto de a mesquinhez dos políticos ser o bálsamo para não perdermos tempo em viver amargurados por causa deles.

Há um sabor de injustiça para quem nunca deixou Portugal para trás nos idos anos do Estado Novo, permaneceu estóico a trabalhar dia a dia à luz do dia para se fazer "cumprir" Portugal de Fernando Pessoa.

É sempre assim. Para quem ficou ou fica nunca há o mínimo de respeito, há sim atitudes de enorme desprezo excluindo-nos das premissas para encaminhar Portugal no rumo do desenvolvimento.  A indiferença faz pausa quando há anos eleitorais. 

Não se espera que quem não busca a emigração seja mimado com honras régias. Simplesmente quer fazer parte da solução para a construção de um Portugal melhor. 

Não é desdém para quem emigra, pelo contrário cada um segue e persegue a sua quimera de país e ideal de condições de vida para si e família. Porém, o constante desvalorizar de quem faz a escolha de continuar no país que apesar de tudo é a nossa pátria, amiúde vão conotando de nunca sairem da zona de conforto. Enfurece-me. É mais fácil ir e de uma latitude longínqua enviar mensagens de como se deve governar um país e  muitas vezes zangam-se pela pouca participação cívica dos que vivem cá. Antes de emigrarem, como era? Era cidadãos exemplarmente participativos? São prosaicos. Não entendem que é mais difícil ser-se persistente, permanecer quando "fecha o pano", sofrer na pele as agruras do sistema oleado pelo domínio da medíocre corja governativa invariante que maniateia o progresso do país e constrange a vida do cidadão português. Decidir não abandonar a causa, não é para todos.  É só para alguns. 

O 25 de Abril de 1974 foi um golpe militar para terminar com o Estado Novo que ficou enterrado no mesmo segundo em que o António de Oliveira Salazar foi hospitalizado, astutamente Marcelo Caetano tentou ressuscitar um regime moribundo com um discurso falacioso que iria fazer a transição da ditadura para a democracia.  A sede de poder muitas vezes não acompanha a capacidades intelectuais e técnicas para criar uma base de apoio alargado para apoiar e sustentar a sua liderança quando se vivia uma enorme contestação contra a insana e inexplicável guerra colonial em que as antigas colónias tinham o apoio armado da Rússia, por exemplo.

A celebração da efeméride sempre foi vivida por mim de forma distinta, longe do folclore que o PCP tornou a celebração deste marco histórico da história contemporânea portuguesa. Há uma comunização da Revolução dos Cravos. Que a mim em vez de suscitar interesse em participar, sempre me afastou. Vivo esta ocasião no recato de casa a ouvir principalmente aqueles que contaram sempre os dois lados da vivência sob a égide de António Salazar/ Marcelo Caetano e depois os anos loucos pós-25 de Abril para sem imposição formar a minha opinião crítica sobre estes momento históricos. 

A forma antiquada como é celebrada seguindo uma estrutura protocolar parada no tempo com os discursos tirados a papel químico dos outros anos e que ninguém ouve ou quem ouve por mais que tente não consegue ouvir até ao fim, portanto não vão ficando para a história.

Não há abertura para as escolas, para os cidadãos anónimos fora do espectro político participarem na cerimónia institucional desta data que marca o nosso calendário. É uma festa em circuito fechado onde só cabem quem anda nos corredores do Parlamento e as tais figuras que criticam quem não coloca o cravo na lapela. Fora desta bolha está a ficar robusto o significado de não ser um dia onde tiram do museu as chaimites e distribuem os cravos ao som da Grândola Vila Morena, para ser um dia de descanso, que pode contribuir para umas mini-férias quando o feriado está encostado ao fim de semana. E engane-se que são só os jovens que pensam assim, até pessoas que participaram activamente na Revolução se desinteressaram pelo ritual pitoresco e gasto a que chegou o nosso dia da liberdade. 

O Partido Comunista Português até prefere que este molde bacoco permaneça. Estou curiosa quando deixar de ter assento na Assembleia da República, deverá querer que abram excepções para que seja possível a subida ao púlpito para vincar que o 25 de Abril é do povo e principalmente, património escriturado em nome do Partido Comunista Português. 

As palavras-chave do 25 de Abril de 1974 são sem excitação: fim da guerra colonial,  Salgueiro Maia, democracia. Herda-se esta postura de ver o dia da liberdade sem as amarras da imposição de uma ideia colectiva única. Despojada de artifícios que nos tolhem o pensamento modificando a realidade dos factos. 

A deputada do PCP, Paula Santos afirma que: "Há quem procure branquear o que é o fascismo. Não o permitiremos."

Em contraposição afirmo taxativamente que há quarenta e oito anos que procuram branquear o que é o comunismo.

O golpe de estado vingou e desde o minuto seguinte houve uma campanha orquestrada pelos militares de esquerda para agarrar esta janela de oportunidade para passar à prática o comunizar do 25 de Abril. É abjecto instruir a opinião pública que o PSD um partido situado à direita do nosso espectro político, seja um viveiro de fascistas. Por defenderem a iniciativa privada são contra a democracia. Que não têm direito a festejar o fim da ditadura. Os comunistas são donos e senhores,  uns latifundiários ironicamente,  da Revolução de Abril.  

O ano de 2022 foi um ano de viragem, na esperança que se consolide: falou-se mais de Salgueiro Maia.

Anos a fio a comunicação social patrocinou a marginalização da grande figura do 25 de Abril, Salgueiro Maia, dando palco às delirantes e vaidosas palavras de Otelo Saraiva de Carvalho. Ao longo deste tempo percebi que o Otelo tinha o dom da ubiquidade. Fez tudo, esteve em todo o lado, em resumo fez a revolução completamente sozinho. 

O PCP, raposa velha, aproveitou para contextualizar as suas acções e movimentações dos seus apaniguados na clandestinidade, sendo que havia anos que se preparava no seio das forças armadas a "decapitação do regime." Logo, no xadrez da conquista da democracia, maliciosamente houve uma sobrevalorização do papel dos clandestinos comunistas.  Ou seja, a clandestinidade serviu para estudarem e criar ligações ao mundo soviético com o fim do Estado Novo, para estarem preparados para instaurar o regime ligado à Rússia e integrar a URSS. E nada mais do que isso. 

(Agradeço ao Mário Soares, apesar de certos comportamentos que mancharam a minha total admiração enquanto político, de nos ter colocado nos trilhos da democracia evitando a desgraça que estava para chegar de passarmos para um regime comunista.)

Quando esta luta de implantar a democracia está quase nas cinzas, é que a honradez de alguém que nunca se associou à disputa do troféu da revolução dos cravos  começa a ter alguma visibilidade a sua ética e idoneidade do seu carácter.  

Enquanto o PCP tiver este ascendente sobre esta página da nossa história,  tardiamente iremos passar à página seguinte que já não está em branco, todavia a excessiva influência da ideologia da extrema esquerda na comunicação social, potenciado pelo desligar dos cidadãos pelos assuntos políticos vão conseguindo atrasar o debate sobre a nossa actual democracia.  Na página que não conseguimos ler está a necessidade de reformar o nosso sistema eleitoral, o facto de a democracia no presente precisar de defesa constante,  que as instituições democráticas não  podem ser consideradas  um dado adquirido.  A democracia precisa  de uma defesa firme contra os slogans vazios de conteúdo, no entanto, com mensagens superficiais e vagas, porém muito poderosas que suscitam a atenção das pessoas.

Acho que estamos de acordo com este facto: a democracia é um regime que está sempre a ser desafiado e ameaçado pelas forças políticas extremistas e populistas. Quando um partido de extrema-esquerda continua a estar no centro das decisões internas a nível nacional e regional (Alentejo) e com a ascensão de um partido de extrema-direita que vive da imagem do seu líder a História ensina-nos que devemos estar muito atentos se quisermos  preservar e defender a democracia de hoje. 

"O meu 25 de Abril" deveria ajudar a pensar o presente e o futuro do meu Portugal democrático. Era essencialmente isso. Mas há muitas pedras na engrenagem que não permitem passar à fase seguinte, gostaria que fosse só por causa dos partidos extremistas, contudo este Partido Socialista tem sido um factor obstaculizante nesta fase em que o período democrático se sobrepõe ao período ditatorial.  

 

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Parte I: Olhar: 25 de Abril 1974 / Perspectiva: 40 anos de Democracia 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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