O Chefe de Gabinete é o Inverno sem fim de Portugal
"Há bocado, o meu chefe de gabinete, a propósito desta carta, saiu-se com a frase bastante ilustrativa, que foi que ele disse, que a polícia é o que está no extremo da cadeia de montagem, Felicito-o, Senhor Presidente, tem um bom chefe de gabinete, no entanto seria conveniente avisá-lo de que há verdades de que não convém falar em voz alta, A sala está insonorizada, Isso não significa que não lhe tenham escondido por aqui alguns microfones (...)"
José Saramago, Ensaio sobre a lucidez
A operação Influencer somou horas e horas de comentários políticos e debates televisivos e radiofónicos. Do que ouvi e li não existiu ênfase no tom de condenação à forma como o chefe de gabinete do Primeiro-Ministro exercia as suas funções. É confrangedor a confirmação de como são acordados os grandes projectos de investimento em Portugal. Como é possível e aceitável alguém com funções de coadjuvante, assumir a liderança das conversações dos investimentos estratégicos de um país onde estão envolvidos milhões de euros? E ninguém fica estupefacto com as delegações de competências desta natureza de um Primeiro-Ministro de Portugal para um funcionário nomeado no intuito de, remetendo para o decreto-lei n.° 11/2012 (20 de Janeiro) que define as suas competências: Artigo 5.º
Funções do chefe do gabinete
1 - O chefe do gabinete é responsável pela direcção e coordenação do gabinete, cabendo-lhe ainda a ligação aos serviços e organismos dependentes do respectivo membro do Governo, aos gabinetes dos restantes membros do Governo e às demais entidades públicas e privadas.
2 - O membro do Governo pode delegar no chefe do gabinete competências para a prática de quaisquer actos relativos à gestão do gabinete e do respectivo pessoal, bem como de quaisquer actos de autorização de despesas a suportar pelo orçamento do gabinete, até ao limite máximo previsto para os titulares de cargos de direcção superior de 1.º grau.
3 - O chefe do gabinete pode ainda exercer competências relativas a assuntos administrativos correntes que lhe sejam delegados pelo respectivo membro do Governo, na área de competências deste.
Portanto, um chefe de gabinete de um membro do governo não pode comportar-se como se de um negociador se tratasse. Pelas informações divulgadas era um negociador competitivo sem o vício de explanar em actas as reuniões onde brilhava a sua capacidade inata de negociante. Há incredulidade nos métodos usados por este Governo, e em particular deste chefe de gabinete, acresce a indignação na usurpação de poderes, erradamente, nas tomadas de decisões em projectos onde nunca poderia ter, uma vez que extrapolam as suas funções, e mais não é mandatado pelo voto do cidadão para conduzir os acordos entre os vários intervenientes até à assinatura dos protocolos e projectos de investimento para posterior implementação.
Não era necessário vir o parágrafo indicando que o Primeiro-Ministro estaria sob investigação para apresentar a sua demissão. O simples facto do seu chefe de gabinete ter sido detido, era justificação mais do que suficiente para ter essa atitude, muitos entenderam de digna. Os investimentos cuja a participação do Estado é indissociável, os intervenientes que representam o cidadão português não podem estar entregues a um chefe de gabinete mesmo que seja do Primeiro-Ministro. Nunca. E com dinheiro vivo escondido no gabinete da residência oficial da terceira figura do Estado, é de longe o pior mandatário para o cumprimento dos critérios de transparência e ética que têm de existir quando o Estado está envolvido. Decidir o caderno de encargos das partes com investimentos de milhões de euros é intolerável acontecer à mesa de um restaurante, não é uma reunião familiar onde é anunciada a chegada da descendência e arrancam com os preparativos para o baby shower. A informalidade não se coaduna com as condutas de responsabilidade e respeito assumidos nas tomadas de posse para o exercício de cargos governativos, muito menos para os cargos de nomeação, como é o de chefe de gabinete na estrutura de um Governo.
Aflige-me, sobremaneira, esta incúria lesa pátria, os interesses de Portugal são secundarizados em prol de economistas, gestores de empresas e/ou juristas em nome do Estado, com vínculo de nomeação política na figura de chefes de gabinete e assessores; com o papel de executarem negócios com ganhos pessoais a nível financeiro, findo o Governo, vão liderar as negociatas que saíram das suas mentes ardilosas e sem escrúpulos. Os portugueses encaram com normalidade este modo de chefiar a agenda de trabalho político de um governante. Como pode um Primeiro-Ministro atribuir poderes a alguém que não vai ser escrutinado por ninguém e ainda pode usar métodos não convencionais (ilegais) na obtenção dos objectivos delineados na sala onde umas notas cunhadas com o Euro estavam escondidas. Se nada é fora do comum: chefe de estado faz "juras" com o chefe de gabinete.
O Frank Sinatra fez o circuito dos casinos nos Estados Unidos da América, todos sabemos quem gere esta actividade na Terra do Tio Sam, quando quis sair, a sua carreira entrou em decadência. Teve de voltar a cantar no intervalo da roleta se quisesse que as outras grandes salas de espectáculos voltassem a abrir. Assim, no sistema político português os chefes de gabinete são os abre-latas para governantes que fingem governar e pretendem eternizar-se no poder. Estes políticos sem outra profissão sem ser a política criaram uns monstros chamados de facilitadores de negócios, vulgos chefes de gabinete, subsidiados com dinheiro português e europeu. Invariavelmente, haverá sempre lugar ao tráfico de influências, porém o cidadão português não fica chocado com a ascendência destes negociadores natos desprestigiantes para a política desde que pingue subsídios ou festas à borla. A gestão ignóbil e de captura dos serviços do Estado e parte do sector privado levada a cabo pelos políticos e os nomeados por eles é um factor de descredibilização da democracia portuguesa, das instituições e organismos públicos para além de ser uma das causas para o nosso atraso económico e social de Portugal, resultando na ausência de equidade social e inexistente coesão territorial. Os portugueses também têm a sua culpa na degradação do país e do sistema político ao demitirem-se de serem criteriosos na hora de votar e não reclamarem por políticos competentes, rigorosos e bons trabalhadores para colocar em prática medidas reformistas tendo em vista o progresso e desenvolvimento sustentado de Portugal.
Não se discute o essencial. À luz da Constituição Portuguesa, há a presunção da inocência, todavia está mais do que provado que há chefes de gabinete com funções de gestão executiva como se tivessem tomado posse como ministros.
Quando o Data Center Tecnológico de Sines tiver a cerimónia de descerramento da placa de inauguração devia estar gravado o nome do Vítor Escária, chefe de gabinete do Primeiro-Ministro.
A composição das equipas de assessoria dos governantes são um inverno sem fim para a opacidade e a anti-ética que criam dois países distintos a coexistirem sem atropelos: o país real vivido pelos portugueses comuns e o outro país dos governantes e seus sequazes a gravitar na bolha construída por eles para se manterem sempre onde o perfume do dinheiro fácil e do poder está a ser vaporizado.