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Perspectivas & Olhares na planície

Perspectivas & Olhares na planície

Houve a denúncia e depois? Não aconteceu NADA!

«O homem é um animal doente»

Rousseau (citado por Fernando Pessoa no Livro do Desassossego)

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Todos vêem, todos sabem, todavia somente o Manuel Narra, que há um ano era presidente da autarquia da Vidigueira, se chegou à frente para denunciar o trabalho escravo na apanha da azeitona e as condições desumanas em que viviam (e continuam a viver), estes trabalhadores ilegais em Portugal. "Pode o sujeito distanciar-se do mundo que observa?"

Sendo assim pode, dado que o Manuel Narra esteve sozinho a denunciar um crime público, e mais nenhum colega autarca se juntou a lamentar e a evidenciar a existência deste fenómeno gravíssimo e desumano. Acontecia apenas no seu concelho. Falta de sorte. É uma evidência: os outros autarcas estavam e continuam a estar displicentes e a pactuar com este fenómeno que ocorre, não só no Alentejo como também no Ribatejo, ou seja, em zonas onde há agricultura.

Uma coisa é certa: as redes recrutadoras de trabalhadores ilegais lucram e os empregadores lucram muito mais. Ora vejamos: os empregadores agrícolas precisam sazonalmente  de mais trabalhadores e com um salário de um português paga uns dois (quiça três...) trabalhadores ilegais. Logo, têm mais trabalhadores, em vez de ter a duração de três semanas as tarefas, ficam finalizadas em duas semanas, por exemplo. Assim, como há muita procura, a oferta desenvolve-se nas barbas das autoridades judiciais portuguesas. Causa estranheza os agricultores que contratam o serviço a estas redes de crime organizado não se apercebam das condições desumanas em que vivem, dada a aparência e aspecto físico miserável em que se apresentam ao trabalho! E mais: a GNR todos os anos leva a cabo o projecto "Azeitona Segura" e quando vão fazer a fiscalização não reparam que são trabalhadores/imigrantes ilegais que estão na exploração agrícola? Bem sei que não são das suas competências, mas não deviam trabalhar em rede e informar o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) quando há suspeita de práticas de violação dos direitos humanos e laborais? Quando se iniciam as campanhas agrícolas sazonais a GNR local não está vigilante ao aparecimento volumoso de imigrantes a ocupar casões em Moura, Serpa, Vidigueira? Esta atitude desinteressada é preocupante. Por outro lado, o crime compensa, enquanto não é denunciada a escravatura laboral, o empregador fica com o trabalho feito. E num estado de direito que se preze não pode permitir esta forma indigna de contratar um ser humano. Os empregadores não são punidos severamente com coimas e consequentemente na perda de subsídios europeus ou nacionais ou vedado o acesso a esses mesmos subsídios por recorrer a práticas ilegais na contratação de pessoal para realizar tarefas sazonais na sua exploração agrícola. Enfatizo o imobilismo dos sindicatos CGTP ou UGT perante estas práticas laborais ilegais, a precariedade não acontece apenas no sector público.

Há um ano, o ministro do trabalho e segurança social interpelado sobre estas denúncias do então presidente da Câmara Municipal da Vidigueira respondeu  à moda de tia de Cascais  que era péssimo para a imagem de Portugal lá fora. O ministro devia preocupar-se com o essencial que se prende com a problemática: quantos mais trabalhadores ilegais, menos TSU entra para sustentar as obrigações atribuídas  à segurança social, e não com as aparências. Portugal precisa de um ministro com preocupações estadistas que defenda os interesses da sustentabilidade da Segurança Social e dispensa um ministro com preocupações à tia de Cascais que valoriza as aparências e o que os outros podem pensar da imagem fútil que reflete. O ministro Vieira da Silva devia fazer um simples exercício: pedir as estatísticas se aumentou a TSU do regime agrícolas indiferenciados durante as campanhas de apanha da azeitona ou de outras colheitas sazonais. Concluirá, infelizmente, que a Segurança Social não obteve a colecta da TSU proporcional ao número efectivo de trabalhadores que estiveram na campanha da apanha da azeitona de 2017/2018.  "Pode o sujeito distanciar-se do mundo que observa?", tudo indica que o ministro com tiques de tia de Cascais consegue. 

A denúncia foi feita há um ano e quantos indivíduos foram julgados por praticar e impulsionar este crime público? Ninguém pagou coimas, as redes de recrutamento continuam muito activas, os agricultores não tiveram penalizações nenhumas, ou seja, ficou tudo igual aquando da denúncia. 

É de registar que neste ano que passou o município de Serpa assinou um contrato local de segurança/MAI Cidadão com os objectivos principais a prevenção do tráfico humano e imigração clandestina, a adequação das condições de trabalho e de vida dos imigrantes e a prevenção de fenómenos de delinquência e criminalidade. Há resultados visíveis desta medida? Aparentemente não alterou nada nesta campanha de apanha de azeitona, uma vez que cruzamos com cada vez mais estrangeiros ilegais alojados em sítios que notoriamente os senhorios não têm o arrendamento registado nas finanças, a água  e luz que não são pagas e transgridem a lei ao viciarem os contadores da água e ao realizarem ilicitamente ligações improvisadas de electricidade. Onde está a fiscalização? De olhos vendados. Outro mistério por explicar é as inúmeras carrinhas, furgões a caírem de podre cheias de trabalhadores estrangeiros ilegais que circulam nas estradas colocando em perigo a segurança deles e a dos cidadãos que frequentam as mesmas vias rodoviárias. Não é preciso ser uma especialista para constatar que essas carrinhas deviam estar na sucata e que estão a infringir a lei: sem inspeção periódica válida, sem apólice de seguro, os condutores sem habilitação para conduzir, e mesmo assim não há autoridade nenhuma que os proíba de circular. Porquê? Os outros condutores, e bem, são fiscalizados e estes que estão a cometer vários crimes – que já originaram acidentes com vítimas mortais –, não são porquê? A razão é que não têm dinheiro para pagar a coima na hora? Mais: quem é que faculta estas carrinhas a estas pessoas? A GNR devia imputar aos  donos das mesmas as coimas. Era remédio santo, pensariam duas vezes antes de entregarem estes furgões. O mistério continua por explicar e continua-se a ver por volta das dezassete horas furgões lotados em caminhos de terra batida prontos a entrar  "à paposeco" nas estradas de alcatrão a forçar travagens inesperadas e lá vão eles aos magotes a Baleizão, Pias, Moura, Serpa comprar alimentos - e invariavelmente acabam a fazer a revista aos contentores do lixo – com o pouco dinheiro que o chefe explorador lhes dá.  "Pode o sujeito distanciar-se do mundo que observa?"  Quem são os maiores beneficiados deste modo de viver? Se as autoridades fizessem o seu trabalho, se  o tal contrato local de segurança funcionasse não se assistia ao perigo que representam quando regressam às estradas – quando não ficam amontoados nos armazéns a que chamam alojamento –, para irem para os palácios chamados senzalas nas carrinhas sem faróis a colocar a vida dos outros automobilistas em risco. Ninguém faz nada, ninguém quer saber e o Manuel Narra deixou de ser autarca, por isto e por todos os outros lobbies,  a escravidão humana e a ilegalidade laboral saíram de cena e vamos caminhando para que este crime público se torne um hábito enraizado na nossa sociedade  portuguesa rural, estamos a ficar mais próximos da China, Bangladesh e a distanciarmo-nos dos países civilizados. "Pode o sujeito distanciar-se do mundo que observa?"