Fatura da água: corre nas nossas torneiras água sagrada do rio Jordão
Serpa (des)governo 6
“(...) tenho saudades de abrir a torneira e ver o mar correr no lavatório, lavar a cara com o mar, em pijama, de sabonete em riste, tomar chuveiro de mar, olhar o mar descer do autoclismo para a retrete, carregando um botão, num niágarazinho tempestuoso.”
António Lobo Antunes, Conhecimento do Inferno
Em 2008, mais precisamente a partir de 26 de Maio, passou a ser proibida a cobrança aos consumidores portugueses o aluguer do contador da água, por exemplo.
Se fosse hoje pensaríamos duas vezes em reivindicar o fim da cobrança na fatura da água o aluguer do contador, mal saberíamos nós o que estava reservado por detrás desta benesse.
Volvidos doze anos temos água sagrada do rio Jordão a correr nas nossas torneiras e não sabíamos de acordo com o valor mensal da fatura da água. Estamos a sustentar os Teodoricos Raposos* em que se tornaram os municípios e as empresas públicas e privadas responsáveis pela distribuição e tratamento da água que chega às nossas casas. O Teodorico Raposo quando esgotou o stock de água trazida do rio Jordão começou a vender em frascos a água “de outro Jordão, mais caudaloso e límpido que o da Palestina, correndo por Lisboa, com a sua nascente num quarto da Pomba de Ouro”; por sua vez, os senhores que mandam na água em Portugal introduziram taxas, inventaram outras taxinhas sempre para o bem-estar do consumidor permissivo português.
Operou-se um milagre: actualmente pagamos mais taxas do que água que gastamos. A nossa fatura da água é uma autêntica relíquia…
Haverão muitos fiéis depositários desta relíquia, porém vou detalhar apenas os pormenores que tornam ímpar a relíquia, isto é, a fatura da água dos residentes no Município de Serpa, a qual se subdivide em três categorias:
1- Serviço de abastecimento de água
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Consumo de água: taxa variável distribuída por 4 escalões (c/ IVA);
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Água fixa: tarifa fixa (c/ IVA);
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Taxa de Recursos Hídricos (c/ IVA).
2- Serviço de saneamento de águas residuais (consumo de água - 90℅);
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Saneamento variável (com 4 escalões e isento de IVA);
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Saneamento fixo (isento de IVA).
3 - Serviço de gestão de resíduos urbanos (consumo de água - 90%)
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Resíduos sólidos variáveis (escalão único e isento de IVA);
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Resíduos sólidos fixo (isento de IVA);
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Taxa de Gestão de Resíduos (isenta de IVA).
Caros/as leitores/as, têm toda a razão se acharem que foi excessivamente enfadonho o esmiuçar da fatura da água que o Munícipio de Serpa envia para os seus munícipes todos os meses. Com toda a legitimidade pensarão: mas o que é que eu tenho a ver com o tarifário da fatura da água praticado pelo Município de Serpa. Eu respondo: nada!
(Por acaso já olharam com os olhos de ver a vossa fatura de água?)
Perdoem-me. Foi um momento de catarse.
Se consumimos água, obviamente temos de pagar esse consumo até como se lê na fatura o alerta dos serviços camarários: “a água é um recurso natural escasso, não o desperdice!”; todavia pagamos mais taxas pois são calculadas de acordo com o gasto de água do que o consumo propriamente dito (mesmo tendo a ajuda do consumo fixo de água). Não sou eu que afirmo, mas o 4.º estudo da água levado a cabo pela Associação Portuguesa das Famílias Numerosas e mencionado no Região Sul: No distrito de Beja, o município de Serpa é aquele que denota mais discriminação pela dimensão familiar: uma família com sete elementos paga 10 vezes mais pela água do que uma pessoa que viva sozinha. Em concreto, uma pessoa que viva sozinha paga por ano 31,44 euros e uma família com 7 elementos paga por ano 304,92 euros.
Teve conhecimento das conclusões deste estudo, Presidente da Câmara Municipal de Serpa? Fique a saber que o seu tarifário da água não é amigo das famílias.
Aproveito para lhe fazer ver a incúria a tender para a estupidez: deve ser dos poucos municípios portugueses em que obriga os seus munícipes a pagar com muita frequência a fatura da água não com a leitura real dos consumos do mês anterior, mas com uma leitura dos consumos estimados. Estas faturas singulares dão origem à seguinte situação caricata: estamos em pleno Outono e estamos a pagar os consumos reais de água feitos em pleno Verão, uma vez que os meses de Verão são faturados com gastos estimados, a tal fatura tipo estimativa.
Será que é uma exigência hercúlea o direito de quem vive em Serpa possa pagar a fatura de água de acordo com o consumo efectivo do mês anterior?
Se precisamos de trocar a torneira de segurança do contador: pagamos. Se os contentores do lixo são lavados porque: pagamos (e deviam ser mais vezes lavados). Meu caro, Presidente da Câmara Municipal de Serpa estará na hora de modernizar o sistema de recolha de leitura do consumo de água?
Em Janeiro não se esqueceu de enviar juntamente com a fatura da água “do rio Jordão made in Serpa” a alteração anual – vulgo aumento – do tarifário de abastecimento de água, águas residuais e resíduos urbanos do Município de Serpa, por isso, não se esqueça de findar com as designadas estimativas de consumo e apostar num programa informático para quando as comunicações das leituras são realizadas (pelo funcionário ou consumidor) corresponda a cada mês efectivamente.
Se há verbas para festas / iniciativas bacocas também tem de existir para aplicar procedimentos administrativos necessários e importantes para evitar constrangimentos aos seus residentes. Não será essa uma das funções principais de uma autarquia?
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*Teodorico Raposo é uma personagem carismática presente no romance A Relíquia do sempre atual Eça de Queirós.