Citações dos romances de José Saramago comentam o alvoroço de Cavaco Silva e o seu Quinta-Feira e Outros Dias nos media portugueses
Foi conhecida a inimizade recíproca entre o político Cavaco Silva e o escritor José Saramago, por isso os excertos do livro Quinta-Feira e Outros Dias divulgados na imprensa escrita e as entrevistas realizadas pelo político Cavaco Silva para falar da sua "obra literária" irão ser comentadas com trechos retirados dos romances do Nobel da literatura, José Saramago:
"(...) As ideias que fazemos (...) da própria ideia são, apenas, imperfeitas compreensões do que deverá ser a verdade, se é que, por fim, a verdade não é totalmente diferente. (...) O que nos vale (...) é a impossibilidade do conhecimento absoluto, e então contentamo-nos com simples aparências, de que tecemos a vida inteira." Terra do Pecado
"(...) existência determinada pela vontade e pelo desejo de andar em frente, sem perder tempo a lamentar ou glorificar o que já estava feito." Terra do Pecado
"(...) A confusão e a clareza não existem. Uma questão nem é clara nem é confusa: é uma questão, e nada mais." Terra do Pecado
"(...) A realidade é o intraduzível porque é plástica, dinâmica." Manual de Pintura e Caligrafia
"(...) há circunstâncias em que as pessoas são também o que dizem ou o que disseram. Não por serem já antes, mas porque, ao dizer, se comprometem, mais do que desejariam, perante si próprios e perante os outros. Dizer é também fazer, ou, pelo menos, projecto público disso." Manual de Pintura e Caligrafia
"(...) Nunca faltaram caminhos para chegar aonde a oculta vontade
ambiciona: basta que se encontrem os pretextos." Manual de Pintura e Caligrafia
"(...) o nosso mal é julgarmos que só as grandes coisas são importantes, ficamos a falar nelas e depois quando queremos saber como era, quem estava, que foi que disseram, é uma dificuldade." Levantado do Chão
"(...) é um defeito comum nos homens, mais facilmente dizerem o que julgam querer ser ouvido por outrem do que cingirem-se à verdade, Porém, para que os homens possam cingir-se à verdade, terão primeiramente de conhecer os erros (...)" Memorial do Convento
"(...) Um nada é quanto basta para desfazer reputações, um quase nada as faz e refaz, a questão é encontrar o caminho certo para a credulidade ou para o interesse dos que vão ser eco inocente ou cúmplice." Memorial do Convento
"A verdade, caro doutor, não escolhe o lugar, Resta saber se o lugar escolhe sempre a verdade." O Ano da Morte de Ricardo Reis
"(...) É como todas as coisas, as más e as boas, sempre precisam de gente que as faça" O Ano da Morte de Ricardo Reis
"Este mundo, não os fatigaremos de o repetir, é uma comédia de enganos." A Jangada de Pedra
"(...) a importância relativa dos assuntos é variável, ele é o ponto de vista, ele é o humor do momento, ele é a simpatia pessoal, a objectividade do narrador é uma invenção moderna, (...)" A Jangada de Pedra
"Por bem fazer, mal haver, diziam os antigos, e tinham razão pelo menos aproveitaram o seu tempo para julgar os factos velhos, o nosso erro contemporâneo é a persistência duma atitude céptica em relação às lições da antiguidade." A Jangada de Pedra
"O mundo está cheio de coincidências, e se uma certa coisa não coincide com outra que lhe esteja próxima, não neguemos por isso as coincidências, só quer dizer que a coisa coincidente não está à vista." A Jangada de Pedra
"(...) os livros estão aqui, como uma galáxia pulsante, e as palavras, dentro deles, são outra poeira cósmica flutuando, à espera do olhar que as irá fixar num sentido ou nelas procurará o sentido novo, porque assim como vão variando as explicações do universo, também a sentença que antes parecera imutável para todo o sempre oferece subitamente outra interpretação, a possibilidade duma contradição latente, a evidência do seu erro próprio." História do Cerco de Lisboa
"Ninguém está satisfeito com o que lhe coube em sorte, esta é uma geral verdade (...)" História do Cerco de Lisboa
"(...) todo o romance é isso, desespero, intento frustrado de que o passado não seja coisa definitivamente perdida. só não se acabou ainda de averiguar se é o romance que impede o homem de esquecer-se, ou se é a impossibilidade do esquecimento que o leva a escrever romances." História do Cerco de Lisboa
"(...) nem vergonha chegou a sentir, esse sentimento que é, quantas vezes, porém não as suficientes, nosso mais eficaz anjo-da-guarda." O Evangelho Segundo Jesus Cristo
"(...) não é preciso ter culpa para ser-se culpado." O Evangelho Segundo Jesus Cristo
"Com o andar dos tempos, mais as actividades da convivência e as trocas genéticas, acabámos por meter a consciência na cor do sangue e no sal das lágrimas, e, como se tanto fosse pouco, fizemos dos olhos uma espécie de espelhos virados para dentro, com o resultado, muitas vezes, de mostrarem eles sem reserva o que estávamos tratando de negar com a boca." Ensaio sobre a Cegueira
"(...) Algumas palavras ditas a tempo sempre foram capazes de resolver dificuldades que um discurso profuso não faria mais do que agravar." Ensaio sobre a Cegueira
"(...) assim está o mundo feito, que tem a verdade muitas vezes de disfarçar-se de mentira para chegar aos seus fins (...)" Ensaio sobre a Cegueira
"(...) ainda está por nascer o primeiro ser humano desprovido daquela segunda pele a que chamamos egoísmo, bem mais dura que a outra, que por qualquer coisa sangra." Ensaio sobre a Cegueira
"(...) As palavras são assim, disfarçam muito, vão-se juntando umas com as outras, parece que não sabem aonde querem ir, e de repente, por causa de duas ou três, ou quatro que de repente saem, simples em si mesmas, um pronome pessoal, um advérbio, um verbo, um adjectivo, e aí temos a comoção a subir irresistível à superfície da pele e dos olhos a estalar a compostura dos sentimentos (...)" Ensaio sobre a Cegueira
"Nunca se pode saber de antemão de que são capazes as pessoas, é preciso esperar, dar tempo ao tempo, o tempo é o parceiro que está a jogar do outro lado da mesa, e tem na mão todas as cartas do baralho, a nós compete-nos inventar os encartes com a vida (...)" Ensaio sobre a Cegueira
"O diálogo fora difícil, com alçapões e portas falsas surgindo a cada passo, o mais pequeno deslize poderia tê-lo arrastado a uma confissão completa se não fosse estar o seu espírito atento aos múltiplos sentidos das palavras que cautelosamente ia pronunciando, sobretudo aquelas que parecem ter um sentido só, com elas é que é preciso mais cuidado." Todos os Nomes
"Ao contrário do que em geral se crê, sentido e significado nunca foram a mesma coisa, o significado fica-se logo por aí, é directo, literal, explícito, fechado em si mesmo, unívoco, por assim dizer, ao passo que o sentido não é capaz de permanecer quieto, fervilha de sentidos segundos, terceiros e quartos, de direcções irradiantes que se vão dividindo e subdividindo em ramos e ramilhos, até se perderam de vista, o sentido de cada palavra parece-se com uma estrela quando se põe a projectar marés vivas pelo espaço fora, ventos cósmicos, perturbações magnéticas, aflições." Todos os Nomes
"Autoritárias, paralisadoras, circulares, às vezes elípticas, as frases de efeito, também jocosamente denominadas pedacinhos de ouro, são uma praga maligna, das piores que têm assolado o mundo. (...)" A Caverna
"(...) eu afirmo, tu negas, eu protesto, tu contestas, acabaria por dar mau resultado, nunca se sabe quando uma palavra mal interpretada vai ter como consequência desastrosa deitar a perder a mais subtil e mais trabalhada das dialécticas de persuasão, já o dizia a antiga sabedoria, com o teu amo não jogues as peras, que ele come as maduras e dá-te as verdes." A Caverna
"(...) Tanto é o que precisamos de lançar culpas a algo distante quando o que nos faltou foi a coragem de encarar o que esteve na nossa frente." O Homem Duplicado
"(...) Houve já quem afirmasse que todas as grandes verdades são absolutamente triviais e que teremos de expressá-las de uma maneira nova e, se possível, paradoxal, para que não venham a cair no esquecimento, Quem disse isso, Um alemão, um tal Schlegel (...)" O Homem Duplicado
"Diz a sabedoria popular que nunca se pode ter tudo, e não lhe falta razão, o balanço das vidas humanas joga constantemente sobre o ganho e o perdido, o problema está na impossibilidade, igualmente humana, de nos pormos de acordo sobre os méritos relativos do que se deveria perder e do que se deveria ganhar (...)" O Homem Duplicado
"(...) Um presidente (...) deverá guiar-se em todas as situações pelo mais estrito sentido de independência, ou, por outras palavras, guardar as aparências." Ensaio sobre a Lucidez
"A cabeça dos seres humanos nem sempre está completamente de acordo com o mundo em que vivem, há pessoas que têm dificuldade à realidade dos factos, no fundo não passa de espíritos débeis e confusos que usam as palavras, às vezes habilmente, para justificar a sua cobardia." Ensaio sobre a Lucidez
"(...) nós todos continuaremos a mentir quando dissermos a verdade, que continuaremos a dizer a verdade quando estivermos a mentir (...)" Ensaio sobre a Lucidez
"(...) Infelizmente, quando se avança às cegas pelos pantanosos terrenos da realpolitik, quando o pragmatismo toma conta da batuta e dirige o concerto sem entender ao que está escrito na pauta, o mais certo é que a lógica imperativa do aviltamento venha a demonstrar, afinal, que ainda havia uns quantos degraus para descer." As Intermitências da Morte
"Momentos de fraqueza na vida qualquer um os poderá ter, e se hoje passámos sem eles, tenhamo-los por certos amanhã." As Intermitências da Morte
"(...) a vida ri-se das previsões e põe palavras onde imaginámos silêncios, e súbitos regressos quando pensámos que não voltaríamos a encontrar-nos." A Viagem do Elefante
"A dura experiência da vida tem-nos mostrado que não é aconselhável confiar demasiado na natureza humana, em geral. A partir de agora, ficámos a saber que, pelo menos para guardar segredos, também não nos devemos fiar da arma de cavalaria." A Viagem do Elefante
"(...) Não, mentira são só os exageros, os arrebiques de linguagem, as meias verdades que querem passar por verdades inteiras (...)" A Viagem do Elefante
"(...) somos, cada vez mais, os defeitos que temos, não as qualidades." A Viagem do Elefante
"(...) chorar o leite derramado não é tão inútil quanto se diz, é de alguma maneira instrutivo porque nos mostra a verdadeira dimensão da frivolidade de certos procedimentos humanos (...)" Caim
"(...) como tudo, as palavras têm os seus quês, os seus comos e os seus porquês. Algumas, solenes, interpelam-nos com ar pomposo, dando-se importância, como se estivessem destinadas a grandes coisas, e, vai-se ver, não conseguiria mover uma vela de moinho, outras, das comuns, das habituais, das de todos os dias, viriam a ter, afinal, consequências que ninguém se atreveria a prever, não tinham nascido para isso, e contudo abalaram o mundo." Caim
"(...) O caminho do engano nasce estreito, mas sempre encontrará quem esteja disposto a alargá-lo, digamos que o engano, repetindo a voz popular, é como o comer e o coçar, a questão é começar." Caim
"(...) Há palavras que se retraem, que se recusam _ porque significam de mais para os nossos ouvidos cansados de palavras." Claraboia
"(...) Para contar uma história enchem-se páginas e páginas e, afinal, todas as histórias se podem dizer em poucas palavras." Claraboia
"(...) _ Mas quem sabe o que quer e o que tem arrisca-se a perder o que tem e a falhar o que pode querer." Claraboia
"(...) Se os homens se odiarem, nada poderá fazer-se. Todos seremos vítimas dos ódios. Todos nos mataremos nas guerras que não temos responsabilidade. Hão de pôr-nos diante dos olhos com palavras. E para quê, afinal? Para criar a semente de uma nova guerra, para criar novos ódios, para criar novas bandeiras e novas palavras. É para isto que vivemos? (...)" Claraboia
"(...) O sentir humano é uma espécie de caleidoscópio instável, mas, neste caso, o que importará deixar claro é que a reacção prevalecente foi contrariedade, o desagrado, a zanga." Alabardas, Alabardas, Espingardas, Espingardas
"(...) Burilar a frase é o mais importante nas comunicações entre humanos." Alabardas, Alabardas, Espingardas, Espingardas
"(...) há palavras assim, objectivamente úteis por aquilo que significam, mas pretensiosas no discurso corrente, ao ponto de provocarem com frequência o comentário irónico de quem as escutou (...)" Alabardas, Alabardas, Espingardas, Espingardas
"(...) A prudência manda que no passado só se deva tocar com pinças, e mesmo assim desinfetadas para evitar contágios." Alabardas, Alabardas, Espingardas, Espingardas