Até os amantes têm de ser escolhidos a dedo!
“Há amantes que amam como há seda pura, seda selvagem, seda de Xangai e de Beijing.”
Agustina Bessa-Luís, A Ronda da Noite
Não percebo nada de atitudes e comportamentos em relações extraconjugais. Não sei o que é ser amásia. Não sei o que é ter um amásio. Sabendo que não tenho experiência nesta forma peculiar de viver uma vida “amorosa” paralela, porém, fiquei sempre admiradíssima com a relação badalada dos amantes Rosa Grilo e António Joaquim. Uma vez que a badalação da relação acentuou-se com os flashes da comunicação social, justamente com as cartas de amor que a Rosa enviava para as jornalistas do Correio da Manhã ou para a jornalista do programa do Hernâni Carvalho; por sua vez, o António Joaquim no julgamento remeteu-se ao silêncio, agora que foi ilibado do homicídio¹ do desgraçado Luís Grilo resolveu nos últimos dias falar até que a voz lhe doa com uma câmara de filmar à frente. Sempre se fazendo acompanhar pelo seu astuto advogado, a superstar que ganhou o Euromilhões – e não foi preciso jogar propriamente no Euromilhões promovido pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa – tem “papado” tudo o que é programa de entretenimento dos gurus da manhã ou da tarde dos canais generalistas, para além de ter “ido fazer uma perninha” ao carismático CM TV. E não deve ficar por aqui, devem seguir-se as entrevistas gravadas em contexto mais intimista: “o que dizem os teus olhos?”
Honra lhe seja feita: tem sido muito didáctico, pelo menos para mim: O Senhor António tem dito que a Dona Rosa sabia onde guardava as armas, as munições. Então aprendi que ter um amante não é só despachar o expediente do Kama Sutra, mas também confidenciar que por exemplo: olha querida, no meio da realização das muitas posições acrobáticas do Kama Sutra, eu tenho várias pistolas. Caso precises matar alguém as pistolas estão no fundo falso da gaveta do roupeiro, as munições estão na mesinha de cabeceira e o carregador está dentro do bibelot que está no psiché. Quase a chegar o auge, o clímax: olha meu doce não te esqueças de quando quiseres ‘limpar o sarampo” a alguém leva o silenciador e limpa bem os vestígios (o melhor será mergulhares a arma na lixívia ou no detergente com amoníaco); por favor, arruma a pistola, de preferência a que não está legal, no mesmo esconderijo onde estava antes de a levares para fazer o tiro ao alvo na almofada. Está bem querida?
Fica-se atónita quando ambos têm sempre dito que esta relação clandestina era a prazo. Seria para passar o tempo, como devem ser, suponho, todas as relações extraconjugais e no fim de contas partilhavam e dividiam assuntos como se fossem um casal assumido, só apenas viviam em casas separadas. Ora a senhora sabia das várias armas, onde estavam guardadas e até as mostrou... É estranho. “O adultério tem o seu horário, como a calista e as provas na modista tinham o seu”², por isso, não venham com histórias que os amantes falam de assuntos íntimos ou segredos pessoais, sob pena de tornar a relação séria e dar esperança que vão cada um divorciar-se do marido corno e da mulher cornélia, respectivamente. E não é isso que se pretende. Porque quem tem amantes é para manter sempre o casamento, caso contrário colocavam um ponto final no relacionamento firmado no cartório, indo à conquista de novas experiências sem a preocupação de inventar reuniões fictícias para não jantar em casa com a esposa e os filhos.
Este ensinamento vou guardá-lo com muito carinho enquanto eu viver. Caso eu pretenda “pular a cerca” vou ser criteriosa na escolha do meu amásio. Se não me contar todos os seus segredos surreais e principalmente aqueles gostos pela ilegalidade não está apto para ser um amante ideal. Obrigatoriamente tenho de procurar outro substituto para ser meu amante. O mercado de potenciais amantes deve estar pela hora da morte…
“– Um homem só tem verdadeiramente ciúme da mulher se ela o engana com alguém que a ele lhe agrada. Nesse caso, o processo das afinidades funciona no sentido de ser combatido, o que faz intervir a ideia de morte.”³.
N.B.
¹O Senhor António Joaquim foi ilibado baseado no critério “in dubio pro reo”, coisa diferente é ter sido inocentado. A estratégia da sua defesa foi descredibilizar as provas apresentadas pela Polícia Judiciária, argumentando sempre com base na dúvida. Na dúvida beneficia-se o réu. A dúvida ao contrário persistirá. Inocente… Ou culpado?;
² Agustina Bessa-Luís, A Ronda da Noite;
³ Agustina Bessa-Luís, As Terras do Risco.