P&O do Passado II: Outra vez o Eça de Queirós
"(...) Ega no entanto não saía do seu espanto. Mas porque caía, porque caía assim um governo com maioria nas câmaras, sossegado no país, o apoio do exército, a bênção da Igreja, a protecção do Comptoir d'Escompte?
O Gouvarinho correu devagar os dedos pela pêra, e murmurou esta razão:
– O Ministério estava gasto.
– Como uma vela de sebo? - exclamou Ega, rindo.
O Conde hesitou. Como uma vela de sebo não diria... Sebo subentendia obtusidade... Ora neste Ministério sobrava o talento. Incontestavelmente havia lá talentos pujantes...
– Essa é outra! - gritou Ega atirando os braços ao ar. – É extraordinário!
Neste abençoado país todos os políticos têm «imenso talento». A oposição confessa sempre que os ministros, que ela cobre de injúrias, têm, à parte os disparates que fazem, um «talento de primeira ordem»! Por outro lado a maioria admite que a oposição, a quem ela constantemente recrimina pelos disparates que fez, está cheia de «robustíssimos talentos»! De resto todo o mundo concorda que o país governado «com imenso talento», que é de todos na Europa, segundo o consenso unânime, o mais estupidamente governado! Eu proponho isto, a ver: que, como os talentos sempre falham, se experimentem uma vez os imbecis!"
Eça de Queirós, Os Maias - Episódios da Vida Romântica, 7ª Ed., Biblioteca Ulisseia de Autores Portugueses, Setembro de 1994