" (...) Everybody needs somebody to love
(mother, father)
Everybody needs somebody to hate
(please don't leave me)
Everybody's bleeding 'cause the times are tough
Well it's hard to be strong
When there's no one to dream on (...)"
Bon Jovi, Keep the faith
Hoje é o teu dia. Conheço-te desde os cinco ou seis anos, é com esta idade que começamos a abrir o intelecto e o coração para conhecer os pormenores de tudo o que nos rodeia. Tu estiveste sempre lá para o bom e para o mau. Para as tristezas e para as alegrias. Foste o meu coração quando a minha mente insistia em comandar. Foste a minha mente para desarmar o meu coração. Podemos estar um pouco mais afastadas, sem as ganas de outrora que me paralisava. O amor pode desalentar, mas quase nunca acaba. O desânimo faz parte do verdadeiro amor. São fases na nossa vida em que o desencanto domina uma metade do amor. A outra metade: as lembranças dos momentos bons vividos, as vitórias ao som que sai da coluna são a bóia para que as partes se juntem para regressar o fascínio e a felicidade quando estamos juntos dela. Nos altos e nos baixos, a roleta russa do amor, nunca duvidei que é amor o que sinto por ti, minha querida Rádio.
Devo-te não muito, mas tudo. És o meu porto onde fica ancorado o barco de que sou feita e do que me tornei: tábuas gastas com fissuras de sucessos e erros pintados com a cor amarela brilhante igual ao sol do mês de Agosto no meu querido Baixo Alentejo.
Entretanto, ouço menos Rádio. E faz-me falta. Sinto falta quando a máscara cai, as lágrimas caem sem pedir licença, a gargalhada solta-se livremente. É disto que tenho saudades.
Muitas histórias vividas ao som da rádio podiam ser contadas. A memória é feita de muitas gavetas que por vezes com a lufa lufa do dia a dia vamos perdendo detalhes preciosos transformados em cinzas que nunca mais nos iremos lembrar. O que nunca esqueci foi a experiência mágica quando aos dez anos sintonizava a Antena 3 aos sábados à noite, depois do jantar, para ouvir a transmissão de concertos de bandas estrangeiras em directo ou em indeferido. Eram momentos de grande êxtase ouvir o livin' on prayer ou keep the faith sem a rede de segurança de um estúdio é uma sensação indescritível para uma criatura de dez anos. Foi com a Antena 3 que comecei a aprender a gostar de música, é com a performance ao vivo de uma banda que se conquista a admiração e simpatia das pessoas. Bandas como Metálica, Pearl Jam, Offspring, ACDC ou Bruce Springsteen respiram palco, são uns sobreviventes nesta cultura de concertos ao vivo programados artificialmente com momentos em que as gravações voz/instrumental, seguram a prestação fraca da banda no palco perante uma plateia grande. A informatização dos concertos para gáudio de muitos cantores substituiu os verdadeiros animais de palco que contagiam até quem não gostava assim tanto daquela banda ou cantor. Há concertos que parecemos que estamos a ouvir um CD gravado com as batotas da praxe para ficar com voz afinadinha e a guitarra eléctrica com os acordes certos.
Em 96 a rádio que estava na berra era a rádio cidade. A malta jovem nessa altura era só a Cidade que ouvia, com músicas que não se ouviam na RFM ou Comercial. Quem não se lembra de dar uma hora de música sem a interrupção de anúncios publicitários? A dance músic era aqui que tinha o seu palco maior em Portugal, a cantora Corona foi ao Big Show Sic, todavia havia meses que ouvíamos o seu "The Rhythm of the Night". A rádio cidade foi a culpada de se cantar nas pausas entre as aulas o: "babobeh-bopbopahdop-babababa-babedi-babobeh-babopahdop-bababapi", do Scatman John. Era a loucura.
A Rádio Cidade no volume máximo a cantar o Saturday Night dos Whigfield ou o "Eu sei" dos SantaMaria que esta rádio ajudou a ser o maior sucesso musical deste grupo, as tarefas domésticas de domingo definidas pela matriarca eram realizadas com outra predisposição e leveza.
A rádio sempre foi a minha companhia para a diversão, para o carpir das desilusões como também para tomar decisões importantes.
Sempre vi rádios espalhados pela casa. Rádios pequenos a pilhas que levávamos nas férias enquanto não descobríamos a frequência da Antena 3, RFM e claro a Cidade FM não começavam verdadeiramente as férias. Viver sem a rádio, não consigo. Tal como precisamos de beber água para viver, eu preciso da rádio para viver.
A rádio que se faz hoje não é como a que se fazia nos anos 90, modificou muito. Os programas da manhã são cópias uns dos outros, as piadas copiadas uns dos outros. A música, essa é programada nas listas de reprodução sem cunho pessoal dos locutores. Tornou-se desinteressante esta Rádio, deixou de ser criadora de memórias, na era das plataformas dedicadas à música ou a programas de autor (os podcasts). Tenho de me penitenciar deixei de ser uma ouvinte assídua de quatro programas de rádio: O Amor é (alargado), os Radicais Livres, Uma Questão de ADN e Bloco Central. Tenho de resolver esta falta de comparecência, principalmente, aos programas do enorme Júlio Machado Vaz, são um hino ao fazer pensar sobre nós e sobre os outros.
Parabéns, minha querida Rádio. Todas as palavras são sempre poucas para enaltecer umas das tuas mais nobres funções: ser a companhia de quem está na solidão física ou intelectual.
Inequivocamente, vivo melhor contigo, minha querida Rádio.