Ninguém é capaz de perguntar a uma Io Appolloni, a uma Ana Bola e tantos outros do mesmo baralho de cartas que base de incidência contributiva (remuneração ilíquida) era declarada à Segurança Social para ser aplicada a taxa contributiva?! Logo se for declarado o salário mínimo, não é preciso ser barra em matemática, para perceber que os descontos serão baixos, consequentemente até podiam descontar 70 anos que não obteriam uma pensão de velhice de 1000 euros, por exemplo.
O queixume vitimizante e fácil de culpar os outros pelos tostões que recebem servia nos anos 90, neste momento, em que há pessoas mais informadas é vergonhoso não se olharem ao espelho para ver reflectido as opções que tomaram para a carreira contributiva ser com valores mínimos. Não encarnem uma personagem quando estão longe do palco, a arte de fingir tem de ter hora marcada, sob pena de ser ridículo!
Em 2014 escrevi umas palavrinhas sobre as declarações polémicas de Fernando Tordo a pretexto da sua emigração "obrigada".
Recordo o que escrevi, que por incrível que pareça, se fosse hoje escreveria com o mesmo tom furioso:
Fernando Tordo Emigrou (26 de Fevereiro de 2014)
“A tragédia da vida é que nos tornamos velhos
cedo demais e sábios tarde demais”
Benjamin Franklin
Fernando Tordo emigrou. Foi notícia que depressa se espalhou: Fernando Tordo decidiu emigrar para o Brasil com 65 anos. Até aqui nada de novo, tantos outros artistas do lápis, da talocha, da chave de fenda, do bisturi, da agulha e do dedal e também da voz (o querido Fernando Tordo não é único) fizeram o mesmo; com 25, 30, 40, 50 anos de idade e uns com muita ou com pouca experiência profissional tiveram a mesma escolha/decisão de abandonar a pátria de Luís de Camões. Os motivos de todos aqueles que abandonam a sua pátria são sempre os mesmos: dificuldade em encontrar colocação, salário baixo face às despesas do agregado familiar, a desilusão com os governantes – tal como, o Fernando Tordo se sente: desiludido -, e porque não afirmá-lo: muitos dos novos emigrantes estão zangados com Portugal. Mas tal sentimento não povoa no coração do nosso – permita-me que o considere assim – Fernando Tordo.
Porque será que não está zangado? Será que estará zangado consigo mesmo?
Voltemos ao início: Fernando Tordo emigrou. Perante o facto consumado, o seu filho grafa emotivamente no seu blogue palavras de elogio, de amor, ou seja, palavras naturais de um filho que nutre carinho pelo seu pai Fernando e, por outro lado, palavras instintivas e revoltadas sobre a miserabilista reforma e sobre os parcos dividendos da Sociedade Portuguesa de Autores recebidos pelo artista/cantor Fernando Tordo, que por sinal é o seu pai. O desabafo do filho ecoou e como é “costumeiro”, acudiram vozes solidárias com o infortúnio e azares do português mediático: Fernando Tordo; como também, vieram vozes maldizentes, irónicas ou, simplesmente, verdadeiras / realistas de acordo com os seus modus vivendi e modus operandi. Como todo o pai cioso respondeu à amabilidade do seu filho e às vozes a favor, quanto aos outros, não eram aplausos, mas sim assobios…. É legítima a crítica aos parcos rendimentos? A reforma é indigna?
Mais uma vez, voltemos ao início: Fernando Tordo emigrou. É comum afirmar que Portugal e os seus governantes não acarinham os artistas na velhice. Até num certo ponto é verdade, contudo, os artistas também exigem carinho, apoio monetário e sei lá mais o quê, quando a maior parte deles não cumpriu a sua obrigação enquanto cidadão português. Ou seja, não investiram na carreira contributiva para a Segurança Social, assim, residuais descontos, curtas reformas. Fernando Tordo fez as suas escolhas legítimas: viveu e fez o que quis com os rendimentos provenientes da profissão sem salvaguardar a sua velhice e nem contribuir para os pensionistas do recente passado e imprudentemente, nem lhe apeteceu pensar que seria um pensionista do futuro próximo. A reforma é indigna, certamente, no entanto, só tem de se zangar consigo próprio; já os portugueses estão zangados, porque pensavam que contavam com o seu auxílio nos cofres do Estado e em contrapartida o cidadão enchia plateias e comprava discos para admirar as fabulosas letras e o extraordinário cantor: FERNANDO TORDO. No fim de contas, quem está em divida não é o cidadão de rostos anónimos, mas o cidadão do “Adeus Tristeza”.
É caso para aludir que legitimamente os contribuintes estão zangados com o contribuinte Fernando Tordo. Todas as nossas escolhas têm consequências individualmente e em último caso no colectivo. Às vezes são certos artistas que não merecem a nação portuguesa demasiado permissiva.
Voltemos, pela última vez, ao início: Fernando Tordo emigrou. É inegável que o Fernando Tordo é um admirável compositor e cantor. Não está em causa o seu profissionalismo, o seu espirito de sacrifício ao longo da sua enorme carreira e a sua predisposição para representar Portugal noutras paragens e valorizar e levar a língua portuguesa a todos os cantos do mundo. Todos os portugueses agradecem. Mas, é a profissão que escolheu. Não tem de ter mais privilégios que a Senhora Antonieta que foi trabalhadora fabril (salário baixo) e que após muitos anos de descontos recebe uma diminuta reforma e que à sua maneira também representou Portugal cá e lá fora ao costurar vestuário para marcas estrangeiras de notoriedade e prestigio mundiais.
As vedetas não devem ser só as pessoas do mundo do espetáculo. Fernando Pessoa escreveu: “Vivemos todos, neste mundo, a bordo de um navio, saído de um porto que desconhecemos, para um porto que ignoramos, devemos ter, uns para os outros, uma amabilidade de viagem”, está na hora de sermos amáveis nesta curta existência (viagem), que é a nossa vida. A sugerida amabilidade deve ser para todos, independentemente da profissão, género, convicções, credos ou classe social a que pertençamos.
Isabel