“O discurso de grande parte dos políticos é feito de lugares-comuns, incapazes de entenderem a complexidade da condição dos nossos países e dos nossos povos. A demagogia fácil continua a substituir a procura de soluções.”
Mia Couto, Passatempos, textos de opinião
Anda meio mundo a vandalizar estátuas e a outra metade a insistir em dar aulas de história diurnas* aos “justiceiros” que estão a dormir depois de uma madrugada “produtiva”. Seria mais aconselhável as aulas de história mudarem de horário para as madrugadas, pois é quando os “justiceiros” começam o tour de pichagem pelas estátuas que são uma réplica do aspecto físico e nada mais do que isso.
Deixo as estátuas do passado, por agora, para me debruçar numa futura estátua, quem sabe; refiro-me ao paraministro António Costa e Silva.
Não está em causa a sua competência pelo contrário, tem um curriculum vitae bem sucedido. Dizem por aí que ainda não levou nenhuma empresa à falência, e ao que parece nenhuma empresa onde foi e é gestor precisou de ser salva com o dinheiro do contribuinte. Já merece uma condecoração: significa que é um gestor à séria, porque aqueles gestores que fazem a sua carreira em empresas públicas não são gestores, são outra coisa qualquer, menos gestores.
O paraministro António Costa e Silva foi convidado pelo Primeiro-Ministro António Costa para elaborar o plano estratégico de recuperação económica 2020-2030 para enfrentar o lastro que as medidas de combate à disseminação do Vírus Sars-Cov-2 deixaram na nossa economia pés de barro, e ao que parece esta consultoria foi pro bono. Só por esta atitude merece uma segunda condecoração.
Sucintamente o plano de revitalização da economia para a década consiste nas seguintes recomendações: modernizar e revitalizar as infraestruturas portuárias, investir na rede ferroviária, qualificar o sector energético para além de aumentar o investimento para ser mais rápida a transição para a tecnologia digital, que deve ser estendida a todos os sectores económicos em Portugal e modernizar as outras infraestruturas sob a alçada do Estado (rede elétrica, rede de distribuição da água, rede de telecomunicações…).
Portanto, é mais um plano estratégico que aponta os caminhos que todos sabemos, mas que os governantes têm seguido superficialmente com iniciativas avulsas que nos fizeram e fazem patinar sem parar. Enquanto que outros países desenvolveram-se com a aplicação de reformas estruturais em vez das reformas conjunturais em que Portugal está perito; que conduziram ao crescimento e não ao desenvolvimento económico-social desejado por muitos portugueses, eu incluída.
O paraministro António Costa e Silva, mais um Silva a intrometer-se nas nossas vidas sem trazer nada de novo, desmultiplicou-se em entrevistas para dar voz às suas ideias, velhas conhecidas de todos, reunidas no seu plano de revitalização económica pós-covid 19. Destaco duas afirmações orelhudas: “mais estado na economia” e “não sou favorável a atirar-se dinheiro para cima dos problemas.”
Mas, há sempre um mas!
Como Portugal não tem dinheiro próprio para investir: “tudo depende de como é que os recursos financeiros que a União Europeia vai providenciar chegarem ao país.” Ou seja, a maioria das medidas serão guardadas na gaveta, junto às outras medidas dos mil e tal planos estratégicos económicos para Portugal, e serão tomadas medidas para remendar os buracos da manta e nada mais.
A busca pelo sentido de termos um paraministro tem sido árdua, porém infrutífera.
Sabendo que, genericamente, estratégia é responder às perguntas: onde estamos?; Onde deveríamos estar?; Onde não deveríamos estar? e a partir destas respostas, surgem outras perguntas para se começar a elaborar e fundamentar o plano estratégico económico-social. Questiono: será que não temos pessoas capazes eleitas em eleições, nomeadas para o governo ou nos organismos públicos para esta tarefa?
Trocando por miúdos: os 230 deputados, os 70 (devem ser mais) membros do governo divididos por ministros e secretários de estado, os milhares de técnicos superiores com vínculo permanente ou por nomeação espalhados pelas ccdr’s, pelos organismos estatais com várias denominações em que se sabe pouco do trabalho que fazem; volto a questionar: ninguém destes grupos de pessoas pagas pelo contribuinte estariam aptos para apresentar medidas para enfrentar a crise económica e social que a Covid-19 veio encolher a manta que por si já era curta e assim redigir um plano igual ou muito melhor ao que o paraministro pro bono apresenta?
É engraçado, não tendo graça nenhuma!
Se recuarmos uns anos, era Pedro Passos Coelho Primeiro-Ministro quando convidou António Borges para tratar de três assuntos importantes afectos à pasta ministerial da economia: as privatizações, as renegociações das parcerias público-privadas e a reestruturação das empresas do Estado. Na época, António Costa era Presidente da Câmara Municipal de Lisboa e na condição de comentador político no programa Quadratura do Círculo a respeito do facto de António Borges se ter tornado paraministro teceu a seguinte opinião: "Não é admissível que uma pessoa seja ministro para todos os efeitos menos para o estatuto constringente da função ministerial. É um escândalo aceitar, e escrever-se olimpicamente, que António Borges é o 12º ministro.”
Volvidos oito anos indagado no Parlamento (deputado Adão e Silva do PSD) sobre a razão de ter um paraministro no seu Governo respondeu o seguinte: “É muito importante que, quem está no exercício de funções políticas, seja capaz de ouvir para lá da bolha político-mediática, chamar à colaboração especialistas, técnicos porque têm uma visão fora da caixa que muitas vez nos ajudam a refletir.” E quando confrontado pelo mesmo deputado com as suas próprias declarações em 2012 sobre o convite a António Borges feito pelo seu antecessor respondeu que não mudara de opinião pois: “A única coisa que mudou foi a missão: eu não convidei ninguém para assessorar negócios, convidei alguém para pensar estrategicamente o país.”
Se é assim, quem devia ser Primeiro-Ministro de Portugal era o António que se apresenta com dois apelidos, isto é, o António Costa e Silva e não o António Costa.
É um bocado “fora da caixa” não saber o que quer e pretende para o país, mas isso já eu tinha percebido: gosta de conduzir uma governação à vista.
O sofista grego Cálicles defendia que o homem só se sente realizado quando alcança o limite máximo de prazer e de poder, que classifica de tirano. Faz parte da natureza humana a tirania e a desigualdade. Logo todos podemos ser um tirano. Porém, uns são mais fortes, conseguem realizar a sua natureza; os outros «a grande massa dos fracos», criam leis, costumes e valores democráticos e igualitários para persuadir os fortes de que somos todos iguais e que as desigualdades são injustas.
Há muitos Cálicles a povoar nas personalidades de certas personagens que quem nos dera que fossem de ficção!
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*acho que não são só os justiceiros que precisam de explicações de conceitos e de factos históricos, este professor de história (ou será de estória!?) da “telescola” precisava de rever a matéria dada a confusão que se instalou naquela cabecinha. E não é que ganhou a montra final do regressado programa Preço Certo com os professores do #Estudoemcasa como participantes?