«Quando Portugal passou para Castela [...] tínhamos poderosas armadas, imensas armas, muita gente [...]. De repente achámo-nos sem nada. Castela pôs-nos mal com todas as nações [...]»
Arte de Furtar (anónimo do séc. XVII)
Volta e meia, vai-se lá saber porquê, quando as coisas estão a ferro e fogo lá para os lados da Catalunha na nossa pasmaceira das colunas de opinião nos jornais e programas dos canais televisivos de informação, que aliás são sempre os mesmos rostos que ocupam os nossos “mass media”, surge a infeliz e muito forçada comparação de um Portugal ido sob o domínio dos Filipes de má memória e a Catalunha sempre dependente.
Meu caro Historiador Rui Tavares à sua questão: E se 1640 tivesse saído ao contrário? Respondo de forma áspera e curta: a Catalunha nunca foi um estado soberano, por isso, comparar a Restauração da Independência de Portugal às ambições sucessivamente falhadas da Catalunha ser uma nação independente (aconselho vivamente a leitura do esclarecedor texto de opinião de Lourenço Pereira Coutinho) é no máximo ter uma grande desonestidade intelectual, e no mínimo uma inteligência para o lado do B.
Monopolizam o nosso panorama mediático “Extraordinários Peritos” que carregam muito nos galões coleccionados à pressa que deviam reservar umas das suas muitas horas vagas semanais para voltar a frequentar aulas de história numa escola dos seus bairros para relembrarem as linhas básicas do nosso Portugal no Regime Monárquico.
Enquanto não se decidem voltar aos bancos da escola, vou adiantando umas pequenas explicações dos capítulos: A crise da sucessão, o domínio Filipino em Portugal e a restauração da independência.
Vamos dar início à aula:
Portugal começou a ter muitas dificuldades financeiras para suportar o seu enorme, disperso e longínquo Império Colonial nos idos anos de 1570. As causas deveram-se aos ataques às nossas embarcações e aos nossos territórios coloniais levados a cabo pelos piratas holandeses, ingleses e franceses , à perda para a concorrência muçulmana (recuperaram a rota do Levante) do nosso monopólio das especiarias orientais, obrigando-nos a abandonar algumas feitorias e praças africanas. Com o declínio financeiro do Império Português, instigado pela nobreza, o rei D. Sebastião decide ir conquistar novos territórios no Norte de África.
Desta feita, o D. Sebastião desembarca em Marrocos, no ano de 1578, porém é derrotado na Batalha de Alcácer Quibir onde acompanhado por milhares de portugueses acabaria por falecer. Com a sua morte e uma vez que não deixou descendentes, o seu tio Cardeal D. Henrique assumiu o trono. Em 1580, o Cardeal D. Henrique morre e, assim, os principais candidatos ao trono de Portugal eram os seus sobrinhos, que eram os netos de D. Manuel I: D. António, Prior do Crato; D. Catarina, Duquesa de Bragança e Filipe II, Rei de Espanha.
No seu testamento o Cardeal-Rei D. Henrique (1579) não designa nenhum sobrinho para seu sucessor como se prova com este excerto: “E porque ao tempo que faço este testamento não tenho descendentes que directamente hajam de suceder na coroa destes reinos, e tendo mandado requerer aos meus sobrinhos que algum direito podem pretender [...] por enquanto não declaro aqui quem me há-de suceder, declaro meu herdeiro e sucessor quem tiver o direito de ser.”
Deste modo, apesar de D. António (Prior do Crato) ter sido aclamado rei pelo povo de Santarém, Lisboa, Setúbal e outras localidades, o Filipe II invade Portugal e leva de vencido o pequeno exército que apoiava o Prior do Crato. Mas, importa lembrar que o monarca espanhol recebeu um grande apoio por parte dos nobres e do alto clero portugueses, pois vislumbravam com a União Dinástica uma forma de alcançarem novos cargos. Tal como, também recebeu apoio da burguesia que pretendia entrar nos circuitos comerciais do Império Espanhol que estava no seu auge.
Em 1581, nas Cortes de Tomar, Filipe II é aclamado Rei de Portugal, com o título de Filipe I: “Sendo já feito o Acto em que S. Majestade foi levantado e jurado por Rey e senhor natural destes seus Reinos e Senhorios da Coroa de Portugal. E sendo outrossim feito o Acto das Cortes, se fez o Acto em que os ditos três Estados prometeram por solene juramento, preito e menagem reconhecer e obedecer por seu Rey e senhor natural” (Actas das Cortes de Tomar, 1581).
Nas Cortes de Tomar o Filipe II de Espanha, I de Portugal, promete solenemente respeitar a autonomia de Portugal, designadamente o direito ao uso do português como língua oficial,
[leu bem Historiador Rui Tavares? Por isso, não faz sentido a sua preocupação: caso estivéssemos na situação dos independentistas o juiz não podia exigir que falássemos castelhano, uma vez que, nunca foi a nossa língua oficial. E o catalão é uma língua co-oficial. A única língua oficial de Espanha é o castelhano]
o uso de moeda própria e a manutenção da posse nos portugueses os principais cargos da administração civil, militar, eclesiástica e judicial. Somente a condução da política externa era comum aos dois reinos.
O Filipe II (I de Portugal) cumpriu as promessas juradas nas Cortes de Tomar e a situação económico-financeira portuguesa melhorou.
Contudo, a partir de 1620, foi a vez do império espanhol atravessar uma crise financeira sobretudo devido à redução de remessas de metais preciosos oriundos da América e às guerras sucessivas que a Espanha desencadeava com os holandeses, ingleses e franceses.
Logo para fazer face às constantes despesas em que estava mergulhada a Espanha o Filipe III (II de Portugal) e o Filipe IV (III de Portugal) impunham novos impostos aos portugueses, para além, da obrigação das tropas e embarcações portuguesas participarem nas guerras em que os espanhóis estavam envolvidos. A paciência dos portugueses chegou ao limite quando o Conde-Duque de Olivares começou a nomear espanhóis para os cargos mais importantes da administração pública portuguesa. As intenções políticas do governante espanhol (conde-duque Olivares) eram claras: “para fazer face aos seus inimigos da Guerra dos 30 anos, aniquilava as nacionalidades ligadas politicamente coroa de Castela; reduzia Portugal, Aragão e a Catalunha, à condição de simples províncias iguais nos encargos e contribuições, e condenadas a despender ouro e sangue em guerras gerais, intentadas em favor de interesses a que porventura eram totalmente estranha.”(César Cantu, História Universal, vol. XV)
Em consequência, nascem os primeiros levantamentos populares em várias regiões de Portugal, especialmente em Évora, para principiar a luta pela restauração da nossa independência.
No Manifesto do Manuelinho (Évora, 1637) fica bem patente o desejo de findar a União Dinástica saída das Cortes de Tomar: “Fazemos saber que, motivados nós pelo amor da pátria [...] pela fome dos nossos irmãos, pela nobreza dos nossos pais, pela necessidade dos nossos órfãos, pela pobreza de que se queixa toda esta gente [...], desejando nós buscar meio para se atalharem traições e roubos tão públicos e escandalosos [refere-se aos impostos exigidos pelo governo de Madrid], queremos que morram todos aqueles que forem traidores à pátria e quiserem cobrar tributos exigidos pelo rei tirano [...].”
É verdade que Portugal livrou-se com alguma facilidade da União Dinástica (ou também designada União Pessoal: dois reinos unidos sob a autoridade do mesmo rei), porque soube aproveitar uma situação internacional que lhe era favorável: a Espanha estava em guerra com a França e estavam a acontecer as revoltas populares na região da Catalunha. Assim sendo bastou revoltarem-se umas dezenas de nobres em Lisboa, no dia 1 de Dezembro de 1640, para pôr fim a 60 anos de domínio Filipino em Portugal. E estava restaurada a independência nacional e D. João IV era aclamado Rei de Portugal.
Dou por terminada a aula de História de Portugal.
Os opinadores de colunas de jornais e de programas televisivos têm direito a ter as suas opiniões, no entanto, não podem deturpar factos históricos levianamente para justificar as suas ideologias pessoais.
Em súmula e para que não restem dúvidas: Portugal nunca ficou totalmente subjugado a Espanha, conservando parte da sua autonomia. Com o acordo das Cortes de Tomar constituiu-se dois Estados ibéricos, uma monarquia dualista, ou seja, um rei para dois reinos. Antes de vivermos nesta União Dinástica (opressiva, é verdade, estivemos sujeitos ao asfixiante despotismo dos Habsburgo), já tínhamos cerca de cinco séculos de uma Nação Independente e a Catalunha nunca foi um estado, foi sempre uma região anexada.