"a ignorância é que nos pacífica. a paz está toda metida na ignorância, pronta para levar as pessoas à felicidade. e isto era a receita do regime. igualzinho hoje podemos ver mas não há quem queira ver. temos um povo que compra o jornal para ler futilidades, e compra mais as revistas de alcoviteirice, e nem sequer entenderia notícias diferentes. isto não mudou tanto assim, caros amigos, apenas a falta de vergonha, que antigamente havia vergonha, e agora devem estar a tirá-la dos dicionários. toda a gente lê a bola e o problema é que a bola nem sequer explica porque é que o benfica não ganha quando não faz sentido que uma equipa daquelas, sustentada daquele modo perca desavergonhadamente. a bola não explica nada para a consciencialização dos seus leitores, que compram aquilo como propaganda do clube e depois não podem reconhecer nos jogos a que assistem a glória anunciada, anda tudo assim um bocado desfasado do que é e parece ser. olhe, hoje é possível reviver o fascismo, quer saber é possível na perfeição. basta ser-se trabalhador dependente. é o suficiente para perceber o que é comer e calar, e por vezes nem comer, só calar. vá espiar esses patrões por aí fora. conte pelos dedos os que têm no peito um coração a florescer de amor pelo proletariado. que porra de conversa comunista. mas não é possível deixar de ter conversas comunistas enquanto não se largar a merda das ideias do capitalismo de circo que está montado. um capitalismo de especulação no qual o trabalho não corresponde a riqueza e já nem a mérito, apenas a um fardo do qual há quem não se consiga livrar. em quem podemos ter esperança. por mais que amemos os portugueses que estão lá fora, o que vais ser de nós se eles voltam para reclamar um lugar no emprego nacional. o que seria. cessavam as remessas dos emigrantes e todos vinham comer do que é nacional e bom. já viram o que seria. acabava o dinheiro com sabor francês e ficávamos sozinhos com um euro assombrado pela mentalidade do escudo. isso é que não outra vez. até os nossos euros haviam de pensar serem escudos numa crise de identidade à portuguesa como nunca se viu outra. é que somos estuporados por todo o lado, pagamos o mesmo que a europa paga por qualquer coisa, mas ganhamos três vezes menos. temos salário de rato. salário de humanos de segunda. porque os nossos governos não têm tomates suficientes para ler a bola e ordenar que o benfica seja campeão. porra, o que é que se passa. a maior fábrica de futebol nacional não produz resultados à altura há muito tempo, e ninguém faz nada. vocês já perceberam que se o benfica fosse campeão o país até começava a levantar da letargia. dizem que têm seis milhões de adeptos, o benfica campeão havia de funcionar como combustível nos espíritos da nação e pôr esta gente toda a bulir. até a bola passaria a ser um desportivo coerente. seria perfeito. com toda a gente a bulir, o governo teria piedade católica e aumentaria o salário mínimo nacional para valores suficientes para pôr um aparelho nos dentes dos filhos, comprar um par de botas ortopédicas, um casaco quente para o inverno, conservar o cordão de ouro que nos ofereceram no batizado, pagar o seguro do carro para poder conduzir sem um nó no estômago, (...)"
Valter Hugo Mãe, A Máquina de Fazer Espanhóis